“Dinheiro nenhum vai compensar o que fizeram comigo, com meu pai, com meus amigos, com vocês, com nossos descendentes. O que eu quero é ver, no futuro, a mudança que o dia 10 de fevereiro de 2014 fez na minha vida repercutindo para todo o país. Quero ver nossa união para acabarmos com esse genocídio que estão fazendo com a juventude negra no Brasil”.
A declaração emocionada é do psicólogo e figurante de novelas Vinícius Romão, preso nesta data no Méier após ser confundido com um assaltante. Mesmo sem elementos suficientes para que fosse mantido na cadeia, ele aguardou 16 dias para a liberação e seu caso ganhou destaque na mídia. Nesta terça-feira, dia 8, Vinícius esteve na sede da OAB/RJ junto a outras vítimas de racismo para um ato de desagravo organizado pela Comissão de Igualdade Racial (CIR) da Seccional.
Recluso há mais de 30 dias, Hércules Menezes, outro jovem negro preso por um crime que afirma não ter cometido, foi representado no evento por seu pai, José Menezes Santos, que relatou a história. Hércules foi acusado de participação no roubo de um veículo em Nova Iguaçu, no dia 27 de julho do último ano e já apresentou provas de que não estava no local do crime.
Representando a diretoria da OAB/RJ, o tesoureiro Luciano Bandeira falou sobre os dados já colhidos pelo projeto Desaparecidos da Democracia, que visa a investigar o alto número dos chamados autos de resistência, ou seja, as ocorrências de mortes em operações policiais. De acordo com pesquisa realizada pelo professor Michel Misse, da UFRJ, e citada por Bandeira, de 2001 a 2011 foram contabilizados mais de 10 mil autos de resistência no estado.
“O que chama a atenção nesse estudo é que as vítimas dessa violência tinham um perfil com cor e endereço: jovens, do sexo masculino, negros e moradores das comunidades carentes da periferia do nosso estado. Nossa intenção com o projeto, assim como no apoio às ações da comissão, é demonstrar que a igualdade tem estar em todos os aspectos da relação entre o Estado e os cidadãos. É por isso que a Ordem luta e lutará sempre”, afirmou o tesoureiro.
Outros casos apresentados no evento foram o da empresária Nina Silva, que relatou ter sofrido discriminação em uma agência do banco Itaú Personalité, o da vendedora Thayná Trindade, que acusou um funcionário da loja Ponto Frio de insultá-la fazendo referência a uma esponja de aço e o do fotógrafo Izaqueu Alves, repercutido pela TRIBUNA DO ADVOGADO. Abordado por dois policiais que exigiam que apresentasse o registro de fotógrafo por estar portando uma câmera profissional, Izaqueu foi algemado e levado à força para a delegacia, a base de xingamentos como “crioulo não é porra nenhuma”. Após procurar a CIR, passou da condição de réu à de vítima.
Entre os mais recentes trabalhos da comissão apresentados pelo presidente do grupo, Marcelo Dias, está o acompanhamento do caso de Fabiana Lameira, que, após atender a um anúncio que oferecia R$ 53 pela diária do serviço de limpeza em uma cobertura na Barra da Tijuca, teve seu pagamento negado pela contratante, que teria alegado que ela “deveria se sentir honrada por ter trabalhado em um prédio na Barra, de frente para a praia” e que aquela cobertura “não era para ser frequentada por uma negra”. Após pedir ao menos o dinheiro da passagem de ônibus para voltar para casa, Fabiana teria recebido insultos como “orangotango” e “nunca vai ter o que tenho: cabelo bom e filho branco”.
Segundo a delegada Liliane Lopes, a Polícia Civil está comprometida com o enfrentamento ao racismo. “Nós entendemos que o racismo é a forma mais vil e sórdida de violação da dignidade da pessoa humana, porque é covarde e impede a vítima de exercer seus direitos, muitas vezes até seu direito à vida”. Parte do trabalho, frisa ela, é a criação do grupo que debaterá o tema institucionalmente, formado, além de delegados, por membros da OAB/RJ, da Defensoria Pública e do Judiciário, entre outros.
Já para a juíza Ivone Caetano, a principal forma de combater a discriminação é a melhora da autoestima dos próprios negros. “Todos reclamam do preconceito, mas no momento que nós mesmos formos unidos, que respeitarmos nossas características físicas, acabaremos com, pelo menos, 80% do racismo”.
O evento contou também com a presença do secretário-geral da CIR, Rogério Gomes, do defensor público geral do Rio de Janeiro, Nilson Bruno e da coordenadora e representante da Secretaria de Segurança Pública do Estado Tatiane Curi.
Fonte: JusBrasil