Ator negro preso por engano, resposta de Glória Maria e ‘cheiro de neguinha’ no BBB este é o racismo no Brasil

por Diego Iraheta

Três episódios envolvendo globais nesta semana lançam luz no racismo à brasileira, tão cordial que se tornou institucional. A discriminação de pretos e pardos, para muitos uma queixa já ultrapassada, está arraigada em nosso comportamento e perpassa esferas pública e privada, do aspecto mais social ao mais íntimo de cada um de nós.

Somos racistas quando permitimos a prisão de um ator negro inocente. A descrição da copeira Dalva Moreira da Costa, assaltada há duas semanas no Rio de Janeiro, era de que o criminoso “era negro e tinha cabelo estilo black power”. Vinícius Romão, que não estava na cena do crime e retornava do trabalho, foi reconhecido pela vítima e preso na sequência por um policial. Estava escuro na hora do assalto, e por isso houve um duplo equívoco. Dalva se enganou no reconhecimento. O policial errou ao prender o rapaz.

Será que esse erro teria acontecido se o assaltante fosse um jovem branco? Ou se fosse um ator global branco, que estivesse voltando do trabalho àquela hora da noite? Nem todos os negros de black power são criminosos… Será que as polícias Civil e Militar estão cientes disso? O tratamento dispensado pelos policiais a Vinícius Romão seria o mesmo para qualquer galã da Malhação?

Somos racistas quando brincamos com a cor e a fisionomia de uma jornalista negra. Glória Maria posou, ao lado de várias celebridades, para foto postada no perfil do colunista Bruno Astuto no Instagram. Era a única negra da imagem e foi a única zombada pela usuária @raqhelcouttinho nos comentários. “Cadê a Glória Maria?”, perguntou, com um emoticon de gargalhada. A apresentadora replicou: “É difícil mesmo encontrar uma neguinha no meio de tantas loiras lindas. Famosas. Celebridades. Pega uma lupa”.

Classuda na resposta, Glória Maria foi ovacionada por centenas de internautas, que repudiaram a ~brincadeira~. A resposta da jornalista indica a influência superlativa dos padrões estéticos europeus, admirados e celebrados pela sociedade brasileira. São tantas loiras lindas e famosas. Alguém tiraria sarro da Mariana Ximenes e da Isabelle Drummond, que também estão na foto? Ou só vale zoar a ‘neguinha’, a jornalista negra que sobressaiu entre as celebridades brancas?

Somos racistas quando brincamos com o cheiro, o cabelo, qualquer parte do corpo de um negro. O Big Brother Brasil 14 já mostrou algumas cenas em que mais gracejos são feitos com relação à cor, à raça. Em conversa no domingo (23), a sister Franciele disse que tinha “um pouco de negra”. “Se eu não usar desodorante, fico com cheiro de neguinha”.

Existe cheiro de branquinha, Franciele? Ou só de neguinha? O perfume da Mariana Ximenes não é como o de Glória Maria? Cordial, gracioso e bem-humorado, o preconceito racial está aí, firme e forte, nessas expressões e comparações.

romao_e_gloria

Nosso racismo se ampara no ideal do branqueamento, que guiou a miscigenação brasileira.Somos muito menos a democracia racial, concebida por Gilberto Freyre, e muito mais a demagogia racista, que presenciamos no cotidiano. A beleza é alva, loura, de olhos claros, europeia. Branca.

Na direção contrária, estão a raimunda – feia de rosto mas boa de bunda, o rosto de macaco, o cabelo ruim. Traços do fenótipo de pessoas negras tornam-se marcadores negativos. A carne mais barata do mercado é a carne negra, a alma tem cor. Aparência e essência se misturam, e os negros não são só menos belos, mas também cidadãos de segunda classe.

As portas se abrem mais e se abrem menos, a depender da cor. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) já mostrou diversas vezes que o negro brasileiro é duplamente discriminado: por causa da raça e da situação socioeconômica.

Uma das consequências dessa discriminação, segundo o Ipea, é a violência: mais negros são assassinados, em uma proporção de 2,4 para cada branco e índio. Um estudo do Instituto Sou da Paz, de São Paulo, corrobora os resultados do fosso racial. Enquanto acidentes de trânsito são as principais causas da morte não natural de brancos, negros morrem mais por homicídios.

Essas estatísticas refletem o racismo institucional, alimentado diariamente por estereótipos, gracejos e piadas preconceituosas. É a herança escravocrata que determina qual é o lugar do preto e o cheiro da neguinha… Cordial ou não, racismo é crime e problema grave no coração e nas raízes do Brasil. E, como tal, precisa ser enfrentado por todos nós.

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Diego Iraheta

Jornalista 2.0, editor de Notícias do Brasil Post

Fonte:

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