ATRIZ E APRESENTADORA DA RTP2 DENUNCIA RACISMO EM PORTUGAL

 

Lisboa, 19 Out (AIM)- Cláudia Semedo é atriz há uma década que lamenta que a sua cor negra a impeça de ter oportunidade de poder entrar em mais projetos de ficção.

A atriz lamenta que nem a considerem para um ‘casting’. ‘Por ter ascendência africana tenho de trabalhar mais’, sublinha Cláudia Semedo, citada pelo ‘Diário de Notícias’.

‘Sinto que por ser mulher e ter ascendência africana tenho de trabalhar muito mais’, diz Cláudia Semedo que admite que já se sentiu discriminada e de uma forma muito clara. 

‘Obviamente que sinto muito claramente que na ficção portuguesa não se contemplam as diferenças que o país tem. E o nosso país é um caldeirão, temos africanos, chineses, brasileiros… há muitos papéis sem cor que são escritos naturalmente para pessoas caucasianas e eu não estou com palas nos olhos, vejo isso’, desabafa. 

A também apresentadora do programa Nós, RTP2, sabe que não pode fazer todos os papéis por causa do tom da sua pele, mas assegura que não há igualdade de oportunidades para todos. ‘Eu sei que não posso ser filha de um Nicolau Breyner e de uma Lia Gama, mas há uma série de papéis que posso fazer e sinto que nem me consideram para casting porque não encaixo no estereotipo de Portugal. Sinto que nem sequer se pensa nisso’, acusa. 

Cláudia Semedo regressa aos palcos dia 25 de Outubro com a peça Paredes Meias, no teatro Amélia ReY Colaço, Lisboa. ‘É muito bom voltar’, diz.

Em 2011, a cantora Rihanna, que actuou no Pavilhão Atlântico, em Lisboa, escreveu na rede social Twitter que foi alvo de comentários racistas no hotel onde esteve hospedada.

A estrela da Ilha de Barbados escreveu no Twitter que encontrou ‘o cabrão mais racista de sempre’.

Segundo a cantora, o homem disse as ‘coisas mais loucas sobre as mulheres negras’. ‘Chamou-nos cadelas, prostitutas e afirmou que nós não deveríamos estar hospedadas nos mesmos hotéis que os brancos’, acrescentou.

Perante estes insultos, Rihanna revelou que não se conteve e reagiu. ‘Como é óbvio, a negra que há em mim saltou cá para fora, falei com sotaque dos Barbados e tudo’, escreveu, com um toque de humor, revelador do modo como lidou com o caso. 

No fim, a cantora acrescentou que veio a descobrir que o gerente do hotel português também era negro.

Apesar do incidente, Rihanna diz não ter guardado qualquer tipo de rancor a Portugal.

Em Setembro passado, 17 Estados membros, incluindo Portugal, propuseram a criação de um pacto pela diversidade e contra o racismo a assinar por todos os países da União Europeia e pela Comissão Europeia e a vigorar entre 2014 e 2020. 

A proposta de elaboração do pacto consta da Declaração contra o Racismo assinada por Portugal, Grã-Bretanha, Bélgica, França, Suécia, Itália, Grécia, Irlanda, Bulgária, Croácia, Lituânia, Polónia, Roménia, Malta, Letónia, Chipre e Áustria, em Roma, a capital italiana, segundo a imprensa lusa. 

A iniciativa partiu da ministra do Interior belga, Jolle Milquet, como forma de repudiar todas as formas de racismo e discriminação, mas em particular de mostrar uma posição firme contra as agressões de que tem sido alvo a ministra da Integração italiana, Cécile Kyenge, de origem congolesa (RDCongo). 

A Alta Comissária para a Imigração e Diálogo Intercultural (ACIDI) de Portugal, Rosário Farmhouse, declarou à Lusa que depois de ter conhecimento do que se estava a passar com a ministra italiana, a ministra belga convidou todos os Estados membros da União Europeia para se juntarem numa ação conjunta. 

A Declaração de Roma surge ‘não só para mostrar solidariedade para com a ministra italiana, mas também para mostrar indignação em relação ao que se tem estado a passar’ e, ao mesmo tempo, assumir um ‘compromisso de luta no combate ao racismo e à xenofobia’, disse A Alta Comissária para a Imigração e Diálogo Intercultural de Portugal. 

A Declaração contra o racismo não só lembra momentos históricos europeus e mundiais, como o Holocausto, a Convenção Europeia dos Direitos Humanos ou o discurso de Martin Luther King, como aproveita para defender que agora, mais do que nunca, é necessário desafiar a intolerância e o extremismo onde quer que eles ocorram. 

Nesse sentido, adiantou Farmhouse, ficou o compromisso de se construir um pacto para os anos 2014-2020 com medidas concretas de combate ao racismo e à xenofobia. 

‘Vai haver uma reunião em Janeiro onde serão detalhados os próximos passos, mas há esta vontade de haver um compromisso assumido por todos os Estados membros para alertar para esta temática’, adiantou. 

Segundo Farmhouse, este pacto será como que um compromisso de todos e cada país para que não deixem cair no esquecimento e tragam para primeiro plano as medidas tanto de prevenção como de penalização que já existam contra este fenómeno. 

Já no que diz respeito ao que se passa especificamente em Portugal, a Alta Comissária apontou que em matéria de prevenção o país tem feito ‘um caminho bastante grande’, mas no respeitante à penalização dos atos xenófobos falta ainda uma alteração legislativa ‘que possa permitir que a Lei de Combate à Discriminação Racial possa ser mais eficaz’. 

A ONU traçou retrato de discriminação e ‘racismo subtil’ em Portugal, segundo relatório tornado público oficialmente em 2012.

Os mesmos dados apontam que as pessoas de origem africana que vivem em Portugal estão sub-representadas nos processos de tomada de decisão política e institucional. Não têm igualdade de acesso à educação, aos serviços públicos, ao emprego, escreve Joana Gorjão Henriques, num artigo publicado no diário ‘Público’

São discriminadas no sistema de justiça, vítimas de discriminação racial e de violência pela polícia. O reconhecimento como pertencendo à sociedade portuguesa e os seus contributos ao longo da história para a construção e desenvolvimento do país são insuficientes. Finalmente: são vítimas de exclusão e marginalização, e em Portugal ‘o racismo é sobretudo subtil’. 

Este é, em traços gerais, o retrato da situação das pessoas de ascendência africana que vivem em Portugal feito por peritos da Organização das Nações Unidas (ONU), a partir de uma visita ao país em Maio de 2011, e que em Setembro de 2012 esteve a debater o relatório com representantes portugueses numa sessão do Conselho de Direitos Humanos em Genebra, Suíça. O documento foi criticado pelo Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural (ACIDI), que contesta algumas das conclusões. 

O conteúdo do documento é baseado nos encontros que o grupo de peritos teve com organizações governamentais e não-governamentais, nos pontos de vista de pessoas da sociedade civil e membros das comunidades afro-portuguesas. Ao longo do documento, critica-se várias vezes o facto de não existirem dados sobre minorias étnicas e raciais que permitam tirar conclusões factuais. A missão a Portugal aconteceu durante o Ano Internacional das Pessoas de Origem Africana (2011), agora proposto passar a década.

Na reunião de Setembro de 2012, onde estiveram também representados países como o Senegal, EUA, Brasil e China, Verene Shepherd, chefe da missão do grupo de trabalho, reiterou que, apesar dos esforços do Governo para promover a integração e combater a discriminação, os imigrantes e as minorias étnicas e raciais em Portugal são ‘vulneráveis à discriminação e à desigualdade’. 

Shepherd sublinhou que Portugal não tem medidas especiais de afirmação positiva em relação às pessoas de origem africana para ‘combater desigualdades estruturais’. 

Por seu lado, Portugal respondeu que não desenvolve políticas para nenhum grupo racial específico para ‘garantir a mesma protecção para todos’ e por considerar que medidas de discriminação positivas corriam o risco de ter um efeito contrário e estimular ‘divisões e choques na sociedade que não existem’. 

Falando ao ‘Público’, antes da reunião, Rosário Farmhouse discordou, por email, da abordagem. ‘A posição portuguesa tem assentado no princípio de que o fenómeno do racismo e da discriminação racial é universal e de que, como tal, terá de existir uma abordagem universal a esta problemática, que não individualize nenhum grupo populacional.’ Portanto, não concorda com ‘uma linguagem que crie uma hierarquia de vítimas de racismo’: ‘A situação das pessoas com origem africana deverá ser tratada num âmbito mais genérico e integrada na política geral da União Europeia contra o racismo.’

Apesar de congratular o facto de as políticas de imigração portuguesas terem ficado em lugares de topo em lista de países europeus, de elogiar os diversos programas de integração de imigrantes ou o facto de a diversidade ser valorizada na sociedade portuguesa, o relatório nota que em Portugal as pessoas de origem africana não são reconhecidas como grupo étnico ou racial mas como imigrantes. ‘Quando fala do tratamento de pessoas de ascendência africana, o Governo refere-se à integração de estrangeiros. Não existe um reconhecimento de pessoas de ascendência africana que sejam nacionais.’

Os peritos mostraram ainda preocupação com a falta de reconhecimento do seu legado no passado colonial português e do seu papel. Uma das críticas ouvidas pelo grupo foi justamente o facto de na escola ser ensinada uma ‘versão inexacta’ do passado colonial português e de se passar a ideia de que ‘o racismo não é um problema em Portugal’. Os currículos e livros escolares não espelham a contribuição das ex-colónias nem promovem junto das crianças de origem africana o orgulho nas suas raízes, acrescentam.

Sublinham ainda o facto de o racismo ser implícito e exigir a criação de programas e instituições centradas nas pessoas de origem africana, bem como uma mudança na política oficial que se aproxima mais de uma abordagem de assimilacionismo do que de multiculturalismo. 

Esta última observação foi veemente contestada por Farmhouse, que diz que ‘tal afirmação não corresponde à verdade’. ‘Todas as políticas desenvolvidas pelo Estado Português, muitas delas através do ACIDI, são provas cabais do contrário’. 

Portugal, defendeu, é ‘amplamente reconhecido no plano internacional face às suas políticas de integração inclusivamente pelas Nações Unidas’ – como no Relatório de Desenvolvimento Humano 2009 ou nas avaliações do Index de Políticas de Integração de Migrantes (MIPEX, na sigla inglesa). ‘O modelo de gestão da diversidade cultural defendido pelo Estado Português é o da interculturalidade através da promoção do diálogo intercultural e não há nada no relatório que factualmente prove o contrário, é uma conclusão sem qualquer fundamento’, acrescenta Rosário Farmhouse.

O grupo inclui no relatório a posição de várias entidades governamentais que defendem que a política seguida é de interculturalismo, mas sublinha que ‘a posição oficial de não recolher dados desagregados sobre minorias étnicas e raciais foi-nos dada como prova de que a assimilação é a política oficial de inclusão’.

No documento de 18 páginas são deixadas oito recomendações. Uma é que Portugal devia garantir que os assuntos ligados aos portugueses de origem africana não sejam tratados como questões de imigração. Outra é que o Governo deveria rever a sua política que impede a recolha de dados sobre minorias étnicas e raciais pois estes permitiriam analisar as suas condições de vida. Sugere-se também a criação de um sistema de cotas para ‘aliviar as disparidades e ultrapassar a discriminação’. 

O ACIDI (Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural) prometeu analisar as recomendações.
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Fonte: Sapo Notícias

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