Aumento do número de suicídios entre população trans preocupa ativistas

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Imagem: iStock

No primeiro semestre de 2019, foram registrados 12 suicídios de pessoas transgênero no Brasil. Já no mesmo período de 2020, foram 16 suicídios mapeados prepresentando um aumento de 34% em relação ao mesmo período do ano passado, sendo 6 homens trans/transmasculines e 10 travestis/mulheres trans. Os dados são da Associação Nacional de Travestis e Transexuais, a Antra.

Segundo a Associação, o suicídio é muito difícil de mapear, porque não são publicados. Então, este número representa os casos que conseguiram ser alcançados pela Antra.

O tema é tabu, mas revela a necessidade de discutir e promover políticas públicas afirmativas voltadas e a questão da saúde mental para a população trans. A associação defende que esses números se devem ao fato de que as pessoas LGBTs comumente são excluídas de vários grupos sociais, seja pelos próprios pais, familiares ou pela sociedade, tendo constantemente sua orientação e/ou identidade questionadas. O bullying transfóbico começa desde muito cedo e está relacionado a uma reação à quebra dos padrões sociais de gênero. A discriminação gera uma série de efeitos negativos sobre a saúde mental do indivíduo e contribui mais tarde para o seu adoecimento.

Da diretoria da Antra, Bruna Benevides, afirma que o suicídio é multifatorial. “Pode ou não conter questões fisiológicas envolvidas. E para pessoas trans, são agravadas por um ambiente social em que o contexto atual e a política conservadora anti trans ganha força, não apenas no Brasil, mas no mundo.

Quando vemos movimentos organizados se levantarem em uma agenda anti trans, isso causa uma sensação de instabilidade emocional que aliada ao momento político e econômico do país gera pouca perspectiva de inclusão de pessoas trans nos espaços sociais e políticos. Isso acontece no mesmo momento em que o Brasil deixa de seguir as recomendações da ONU e de cortes internacionais a respeito da auto declaração de gênero e passa a violar esses direitos.”

“Temos vistos muitos projetos de lei que visam negar direitos a população trans, Como é o caso da tentativa de definir gênero a partir de critérios biológicos e o PL 346 de SP que pretende proibir a participação de pessoas trans nos esportes de acordo com a sua identidade de gênero, o que para nós é a institucionalização da transfobia. Há ainda retrocessos em políticas públicas pró-LGBTI”, afirma Bruna.

Ela defende que o cenário político e idelológico atual são desfavoráveis para que essa realidade possa mudar. “Temos o alinhamento do governo com correntes ideológicas trans-excludentes, inclusive dentro de um movimento de LGB conservador e de feministas radicais, que tem se colocado contra direitos da população Trans e em alianças com a agenda Anti-trans. Como uma criança trans ou adolescente vai querer viver neste cenário?”

“Tudo isso potencializado por questões já conhecidas como Expulsão de casa, dificuldade de emprego e renda, e a violência no ambiente escolar. Isso tudo aliado ao aumento dos casos de violência direta e assassinato contra pessoas trans no Brasil, a violência no ambiente virtual e perseguição dos direitos sociais que vinham sendo alcançados ao longo dos últimos anos”, afirma.

Para Bruna, a pandemia colabora ainda mais para um cenário de vulnerabilidade. “A pandemia fez com que pessoas trans fossem novamente expostas à violência doméstica que apresentou aumento de 45% no primeiro semestre. Muito em função de as pessoas terem que ficar em quarentena junto de seus algozes e alguns familiares que optam por serem intolerantes. Todo este cenário gera um processo de adoecimento provocado pela falta de políticas públicas para prevenção do suicídio e da violência transfóbica, acirramento da desigualdade social e pelo cissexismo – ideologia dominante no país.”

Por sua vez, a presidente da Antra, Keila Simpson afirma que está apreensiva com os dados. “A gente olha muito preocupada para esses dados de suicídio quando vemos que tem um aumento potencial dessas tentativas e das possibilidade de a pessoa realmente se suicidar. Há um tempo tínhamos a ideia de que não era para falar sobre o tema, mas pensamos que precisamos falar, precisamos dizer e orientar, porque essas pessoas são jovens e elas estão sendo suicidadas.

A Antra escolhe dizer essa expressão porque signifca que essa pessoa viveu um processo de violência e violação. Então ela foi induzida a esse processo também, que envolve preconceito, discriminação e uma série de fatores que jogam essas pessoas nesse caminho, que chegam a esse processo muito severo, a ponto de tirarem a própria vida”.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, 90% dos casos de suicídio podem ser prevenidos. “Por isso a gente tem sim que colocar o dedo na ferida, tem sim que falar, que pesquisar. E temos que achar caminhos. Acredito que o caminho é deixar de discriminar as pessoas trans, porque enquanto a gente não verbalizar, as pessoas vão continuar se suicidando. A gente já tem um número grande de pessoas trans que são assassinadas e agora temos mais esse número, muitas das vezes por uma ineficácia de políticas que trabalhe nesse caminho.”

“Essa é uma questão muito cara e sensível para a população LGBTI em geral, em especial para a pessoas Trans. Por isso, ativistas defentem que ela deve ser vista pelo viés de saúde pública que, em paralelo às questões de transfobia, devem ser prevenidos de forma contínua e eficaz”, defende a Associação.

A Antra defende que, com um diálogo qualificado e aprofundado, com estudos e levantamentos feitos com pessoas da área da saúde mental diretamente envolvidas nas questões de saúde mental, será possível pensar em estratégias para minimizar os índices que são alarmantes em nossa população.

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