Autocuidado: a ciranda política das mulheres negras

A ideia de ativismo, engajamento por direitos e mudanças na sociedade sempre esteve associada à militância e à formação política. Era comum ver as lideranças dedicando suas vidas às causas, deixando à parte suas subjetividades pessoais. Hoje, há uma ampliação dessa perspectiva, com a inclusão do afeto e a compressão de que a militância é, ao mesmo tempo, individual e coletiva.

Por Tauá Pires, do Diplomatique

Ilustração: Fábio Gonçalves de Matos Sousa

Muitos desses debates estão surgindo pelas iniciativas de mulheres negras. O atual contexto político no País tem evidenciado cada vez mais a necessidade de reconhecer o protagonismo dessas brasileiras nas lutas sociais. Além disso, as mulheres negras orientam renovações simbólicas que dialogam com a realidade da população. Em termos teóricos, práticos e utópicos, faz-se necessário ouvi-las para qualquer construção social em curso no país.

Esta questão carece de visibilidade, sobretudo no dia 25 de julho, Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. Ao mesmo tempo em que fazem reivindicações a partir de um conjunto de direitos, as mulheres negras afirmam que justiça, equidade, solidariedade e bem-estar são valores inegociáveis, diante da pluralidade de vozes que coabitam o planeta e reivindicam o bem viver.

O conceito de autocuidado surge, portanto, como fundamental dentro da ação política. Muitas referências podem ser associadas a esse conceito, como saúde mental, bem-estar físico e psicológico, segurança, entre outras. Porém, a perspectiva do autocuidado agrega à ação política uma compreensão de que não basta se dedicar para uma causa se isso significar adoecimento, isolamento, risco de vida ou mesmo o convívio com um completo mal-estar.

As relações – pessoais e também políticas – enfrentam códigos como humores, crenças, valores, religiões e hábitos distintos, e as diversas manifestações de intolerância percebidas atualmente indicam como pode ser desafiador entender o outro como diferente e ao mesmo tempo, semelhante.

Essa falta de cuidado e, por consequência, de empatia implica no enfraquecimento dos laços humanos e num reforço de distanciamentos, não apenas físicos, mas sobretudo afetivos.

O autocuidado e o bem viver têm profunda ligação no debate que se faz sobre a construção de uma nova sociedade. Estamos num momento de extremo desequilíbrio no planeta, que potencializa as desigualdades, especialmente a existente entre grupos raciais – com peso ainda maior para mulheres negras. A elas são atribuídos, além dos piores índices sociais, as consequências mais duras do racismo institucionalizado.

Um olhar mais atento para a luta contra a escravidão e a história das comunidades quilombolas consegue indicar que esse movimento de resistir para existir é bastante antigo. Nos tempos atuais, são essas mulheres que fazem a micro e macro política nas ruas e arenas públicas.

O autocuidado requer reconhecer as histórias individuais que cada uma dessas mulheres carrega – em suas dores, trajetórias e realizações – para daí conceber a ação coletiva. A mulher negra em sua plenitude, seu protagonismo, com suas vivências, seus anseios e, principalmente, suas utopias quer construir um fazer político que integra o físico e o emocional.

Ninguém está imune ao racismo, e nem o vence sozinho. O autocuidado, portanto, não tem a ver com autoajuda. Autocuidado é também política e se renova enquanto conceito para estabelecermos outras estratégias de luta e formas de mobilização para incidência política.

Tauá Pires é historiadora, especialista em Gestão de Políticas Públicas de Gênero e Raça e coordenadora de programas na Oxfam Brasil.  Ananda King é comunicóloga social, mestra em Antropologia Cultural e doutoranda em Saúde Global.  Especialista em desenvolvimento comunitário na área de cooperação humanitária.

+ sobre o tema

Pedido de indulto para as mulheres, em comemoração ao dia da mulher

EXMA. PRESIDENTA DA REPÚBLICA, SRA. DILMA ROUSSEFF EXMO. SR. MINISTRO...

Estudante da Ufba representará Brasil em fóruns nos EUA e Japão

Aniele é também uma das 20 jovens escolhidas para...

Ato relembra hoje em João Pessoa vida e morte de Marielle e Anderson

Na tarde de hoje (13), acontece o ato inter-religioso...

Papa nomeia mulheres para cargos-chave no Vaticano pela primeira vez

Elas foram nomeadas para a secretaria-geral do Sínodo dos...

para lembrar

Mulheres negras romperam o paradigma da enfermeira padrão no início do século 20, revela pesquisa

Embalado pelas invenções e novidades do final do século...

Léa Garcia foi nome importante da arte contra o racismo

A arte brasileira perdeu um de seus maiores representantes...

Elena Ferrante: “Mesmo hoje, depois de um século de feminismo, nós não podemos ser inteiramente nós mesmas”

Tudo tem sido codificado em termos da necessidade masculina — mesmo...
spot_imgspot_img

Sueli Carneiro analisa as raízes do racismo estrutural em aula aberta na FEA-USP

Na tarde da última quarta-feira (18), a Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA-USP) foi palco de uma...

O combate ao racismo e o papel das mulheres negras

No dia 21 de março de 1960, cerca de 20 mil pessoas negras se encontraram no bairro de Sharpeville, em Joanesburgo, África do Sul,...

Ativistas do mundo participam do Lançamento do Comitê Global da Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver

As mulheres negras do Brasil estão se organizando e fortalecendo alianças internacionais para a realização da Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem...
-+=