Autonomia econômica e valorização do trabalho das mulheres, por Eleonora Menicucci

Toda manhã, mais de 40 milhões de brasileiras finalizam os cuidados nas próprias casas para poder ir ao trabalho, ou para a busca do emprego. Quase 7 milhões delas irão a outras tantas casas, na condição de trabalhadoras domésticas. Nas últimas décadas, a presença das mulheres nas mais diversas áreas, faixas e profissões tem aumentado significativamente, mas ainda é proporcionalmente menor que a dos homens. Sete em cada 10 homens na população economicamente ativa trabalham ou procuram emprego, e menos de cinco em cada 10 mulheres estão na mesma situação. A diferença de rendimentos é marcante: as mulheres recebem 73,8% dos rendimentos dos homens. Ou bem menos quando se consideram as desigualdades raciais: a renda média das negras equivale a um terço da dos homens brancos.

É evidente que as mulheres vêm superando desvantagens históricas, como demonstra o aumento da escolaridade em relação à dos homens. Mas os obstáculos para conquistar condições mais igualitárias continuam muitos e fortes. Vão da menor valorização das tarefas e funções desempenhadas por elas, à noção ainda comum de que trabalho feminino é leve e complementar ao masculino, e às dificuldades plantadas no dia a dia, já que é “natural” atribuir prioritariamente a elas as pesadas responsabilidades familiares. É o cotidiano da casa, do mundo privado demarcando possibilidades e horizontes da vida. Para ficarmos num exemplo, em 2010 as mulheres informaram ao IBGE que gastam cerca de 24 horas semanais em atividades domésticas não remuneradas — o velho trabalho doméstico cotidiano, tão essencial quanto invisível.

Ao mesmo tempo, os homens declararam a dedicação de apenas 10 horas às tarefas domésticas e familiares, reforçando a divisão sexual do trabalho. O espelho da sociedade difunde assim um imaginário segundo o qual há trabalhos e carreiras “essencialmente” femininas. Não por acaso, ainda hoje, as jovens se orientam majoritariamente para cursos e profissões que refletem essas dinâmicas. Em 2010, nos cursos de educação, mulheres eram 67,4%, e homens, apenas 32,6%. Proporção que se repete nos estudos das áreas de saúde e bem-estar social, com 74,8% de mulheres e 25% de homens. Na outra ponta, numa inversão que fala por si, os homens são mais de 70% nas áreas de ciências, matemática, computação, engenharias, produção e consumo.

A situação das trabalhadoras domésticas é, talvez, a que melhor exemplifica a questão. Uma em cada seis brasileiras que trabalham fora é empregada doméstica. São quase 7 milhões, das quais 62% negras. A maioria sem a carteira de trabalho assinada, o que significa não ter acesso a direitos como férias remuneradas, auxílio-doença, 13º salário, descanso semanal e reconhecimento da profissão. Trata-se de um quadro de intensa desigualdade e ausência de direitos que a sociedade tem o desafio de enxergar e tratar. É nesse sentido que a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República pauta sua ação — na perspectiva das políticas públicas de transformar em interesse do país realidades que eram consideradas restritas ao mundo privado.

O objetivo da SPM de alcançar a autonomia econômica da mulher e sua inserção no mercado de trabalho compõe-se de necessidades várias, como reverter os baixos rendimentos, dar garantia efetiva dos direitos, inclusive com propostas legislativas, e de debater com a sociedade uma mudança da concepção de que o trabalho de casa é tarefa de mulher. Ainda que essa não seja a única condição, mulheres com independência econômica e financeira, com direitos e benefícios garantidos, podem investir em perspectivas profissionais e culturais, entre outras: têm melhores instrumentos para enfrentar a violência doméstica, já que poderão garantir o sustento de si e da família. Mas essas não são questões apenas do mundo urbano. Para as trabalhadoras do campo e da floresta, muitas vezes é mais difícil o acesso aos equipamentos sociais e às políticas públicas.

Se as prioridades da SPM, no conjunto do governo federal, são estimular e fortalecer ações capazes de incrementar a autonomia econômica das mulheres, o horizonte dessa questão vai muito além das ações de governo. Superar desigualdades presentes no cotidiano do mundo do trabalho, que ainda guarda relações e valores incompatíveis com as conquistas das mulheres, é necessidade de um país inteiro, ainda mais porque ele está à frente nas políticas de superação das desigualdades sociais.

 

 

Fonte: Mulher Negra

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