Baiano brilha na Cedar Lake Contemporary Ballet

Criado no negro e populoso bairro da Liberdade, o adolescente Joaquim de Santana, na época com 14 anos, tomou uma decisão que mudaria completamente a sua vida.

Ele pediu ao coreógrafo e dançarino José Carlos Santos Arandiba, o Zebrinha, então diretor artístico do já conceituado Balé Folclórico da Bahia, a oportunidade de fazer uma audição para poder participar da única companhia de dança folclórica profissional do país.

“Tenho oito irmãos e a minha irmã mais velha, Ana Beatriz, que hoje é professora, dançava no Balé Folclórico. Então, eu que via as apresentações e já gostava de dança, resolvi tentar ingressar no Balé. Era um sonho e mal acreditei quando passei na audição para a segunda companhia do Balé”, conta em entrevista durante as férias em Salvador.

Aprendizagem

A partir daí tudo deslanchou na vida do garoto, hoje com 29 anos e integrante da Cedar Lake Contemporary Ballet, de Nova Iorque, conhecida e respeitada mundialmente pelo seu trabalho inovador em arte contemporânea.

Não demorou para Joaquim, filho da camareira aposentada do Teatro Castro Alves, Elizete Sofia e do jornalista Agnaldo de Santana (falecido), fazer parte da primeira companhia do Balé Folclórico da Bahia.

Foi lá que, durante três anos, teve acesso a técnicas de dança do balé clássico, moderno, contemporâneo e afro-brasileiro e a oportunidade de participar de turnês nacionais e internacionais, fonte de grande aprendizado.

Aos 17 anos, aceitando os conselhos de Zebrinha, procurou sair do Brasil. Graças ao seu talento e à interferência de seu mestre, foi aceito pela Hogeschool voor de Kunsten Arnhem (ARTEZ), um dos mais respeitados conservatórios de arte e dança da Holanda, onde Zebrinha estudou.

Grandes coreógrafos

Ainda na instituição, Joaquim faz estágio na Introdanz, tendo contato com grandes coreógrafos como Williams Forsythe e Hans van Manner. “Foi uma época de grande aprendizado”, lembra o bailarino, que treina oito horas por dia para manter a forma.

Recém-formado, em 2005 muda para o Scapino Ballet Rotter, também na Holanda, onde trabalha intensamente, até que em 2008 resolve encarar mais um desafio e acaba integrando o Cullberg Ballet, uma das mais respeitadas companhias de dança contemporânea do mundo, localizada em Estocolmo, na Suécia.

Joaquim diz que desde que começou a dançar tinha o sonho de morar em Nova Iorque. Mas só em 2011 ele se realizou, quando foi convidado para trabalhar na Cedar Lake Contemporaray Ballet, fundada em 2003. “Adoro a cidade. Não existe outro lugar que eu gostaria de viver a não ser lá. Nunca criei raízes, mas agora não penso em mudar. Mas tinha que passar por algumas experiências antes de chegar a Nova Iorque”, complementa.

Outro olhar

Nos 12 anos que ficou fora do Brasil, Joaquim, que fala quatro línguas (inglês, holandês, espanhol e francês) não esqueceu de suas raízes. Mas quando voltou, se assustou com a disseminação das drogas.

“Me assustei ao ver alguns amigos se acabando. Na Holanda, por exemplo, a maconha é liberada, mas o índice de criminalidade é baixíssimo”, diz. Também opina que, se a educação formal melhorou, com a abertura de maior número de universidades e cotas para negros, a educação doméstica piorou. “Sinto falta de mais respeito as mais velhos. Aliás, mais respeito com as pessoas”, afirma.

Trato com o “diabo” Zebrinha

O bailarino, que viveu sempre no meio de muitas mulheres – dos oito irmãos, cinco são do sexo feminino: mãe, avó e tias -, acredita que ” a convivência com mulheres faz com que as pessoas tenham mais humanidade, mais respeito (palavra que está constantemente em seu discurso), mais o senso de proteção, mais dignidade”, diz .

Não é à toa que carrega uma corrente no peito com a divindade Ayrá, da família de Xangô, orixá do culto afro, que aprendeu a respeitar com a sua família. Gratidão e amor ao mestre Zebrinha e ao Balé Folclórico, ele carrega para toda a vida. “No início tinha medo dele (Zebrinha), com aqueles olhos vermelhos, mas ele me ajudou e me orienta muito”, afirma.

Zebrinha diz que, quando Joaquim chegou no balé, era um menino magro. “Mas logo percebi o talento e perguntei três vezes: Você quer mesmo dançar? Ele concordou e eu disse: Então você está fazendo um trato com o diabo (alusão a ele mesmo, que, no mundo da dança é reconhecido por exigir muito, ‘tirar’ a alma do bailarino, como Satã). A partir daí, fiz o projeto para ele estudar fora. Ele foi para a Holanda, nunca recebi uma crítica negativa. É hoje é a grande estrela da dança”, finaliza.

Fonte: Atarde

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