Por: Fátima Oliveira
Na semana passada prometi contar sobre as pipiras da minha nova morada, mas aconteceu algo inusitado, e decidi escrever sobre os pregoeiros de São Luís, já que, como afirma o historiador Vicente Salles, os pregões constituem “canto de trabalho” e “voz das ruas”. E são belos!
No domingo passado, num bandeiraço/panfletagem em São José de Ribamar (MA), onde vi pela primeira vez uma linda pipira azul, tive um emocionante encontro com seu Paulo, que quis confirmar se Flávio Dino (PCdoB), candidato a governador do Maranhão, era filho do dr. Sálvio Dino (advogado, várias vezes deputado e ex-prefeito de João Lisboa (MA)).
Agora estou pensando como a vida é. Parei meu carrinho na porta do seu Paulo, que lá estava sentado numa cadeira. Pedi licença para estacionar ali, no que ele consentiu. Ao sair, de bandeira em punho, disse-lhe: “Vamos votar na mudança, não é?”. Ele riu. Nada respondeu. Não demorou muito, chegou aonde eu estava, na praça diante da casa dele, e puxou conversa: “Flávio Dino é filho do dr. Sálvio Dino, que morava na rua de Santana?”. Ao ouvir que sim, com olhos lacrimejantes, balbuciou: “Senhora, meu pai foi o camaroeiro do dr. Sálvio Dino por anos e anos! Eram muito amigos!”. E engatamos o maior papo. Ao final, ele disse: “Eu e minha família somos 15 votos. Tudo dele! Lá em casa tem água e cafezinho, não se acanhe!”.
Depois conheci a mulher e uma filha dele: “Mulher, aqui em casa todo mundo vai votar nele! Papai está muito emocionado, porque teve a certeza, hoje, de que ele é quem ele pensava. Veja se no dia em que ele vier aqui pode dar um abraço em papai, que lembra quando ele era criança”.
Pra quem não sabe ou esqueceu, na ilha de São Luís (formada por quatro municípios: Paço do Lumiar, Raposa, São José de Ribamar e São Luís), camaroeiro é o vendedor de camarão (fresco) de porta em porta, que avisa a freguesia com seu bordão/pregão de musicalidade singular: “Camaroeiro, camaroeeeeeeeeiro, olha o camaroeiro! Camarão ‘fresquim’, freguesa!”
O camaroeiro é um dos muitos pregoeiros de nossas ruas – ambulante que vende seus produtos, anunciando-os de modo peculiar, como bem descreveu Zema Ribeiro em “Canto dos Pregoeiros Maranhenses Ecoa no Rio de Janeiro” (2005): “‘Pregoeiro’ é o nome dado ao ambulante que vende seus produtos pelas ruas, gritando-os, e geralmente fazendo rimas; muito comuns em São Luís, são eles laranjeiros, verdureiros, garrafeiros, doceiros, peixeiros, entre outros”.
Beatrice Borges, em “Pregoeiros: Novo Capítulo na História de São Luís” (2014): “Os pregoeiros, que tinham esse nome porque gritavam pregões de seus produtos, se espalhavam por toda a cidade, e, com o tempo, ficavam conhecidos das donas de casa, se transformando até em amigos para a vida inteira. Os pregoeiros mais comuns de que se tem notícia, no entanto, eram: padeiro, vendedor de frutas, principalmente bananas, jornaleiro, carvoeiro, verdureiro, peixeiro, vendedor de camarão, caranguejo e siri, sorveteiro, vendedor de pamonha, vendedor de pirulitos, vendedor de juçara, além dos vendedores de utensílios como pá de lixo, penicos, lamparinas, espanadores, vassouras e ainda compradores de ferro velho e garrafeiro. Eram todos homens fortes e dispostos, porque há de se reconhecer que era (e é) um trabalho árduo. Os produtos eram levados nas mãos e, quando muito, em carros de mão, que também dependiam da força humana para chegar até seus clientes”.
Na ilha de São Luís, muitos pregoeiros estão em processo de extinção, mas eu carrego na memória a musicalidade deles.
Fonte: O Tempo