Banqueiros, talebans e o Haiti

Fundamentalistas da banca ameaçam sucesso da gestão Barack Obama mais do que a guerra no Afeganistão

Clovis Rossi
A GUERRA que verdadeiramente poderá arruinar a administração Barack Obama não é a do Afeganistão, mas aquela que Vinicius Torres Freire batizou, com a habitual competência, de “guerra contra a banca”, em sua coluna de ontem nesta Folha.

O Afeganistão é remoto demais. Qualquer desfecho acabará sendo absorvido, salvo um improvável desenlace tipo Vietnã.
Já na guerra contra a banca, Obama enfrenta um grupo de talebans muito mais fundamentalista e muito mais bem armado para afetar a parte mais sensível do corpo humano (o bolso) e para fazê-lo cotidianamente.

Do extremismo dos gatos gordos da banca e de sua insuperável desfaçatez, diz tudo a tentativa em curso de convencer o mundo de que o tsunami financeiro que varreu o planeta a partir de 2007 é igual ao terremoto do Haiti: nada mais que um fenômeno natural.
É o que fez, entre outros, Lloyd Blankfein (Goldman Sachs), em depoimento ao Congresso dos EUA, durante o qual comparou a crise financeira a um furacão que ninguém poderia ter previsto.

De fato, não foi prevista por nenhum dos economistas-chefes das grandes instituições financeiras, inclusive as brasileiras, incapazes de enxergar um milímetro à frente enquanto se armava a crise. Agora que ela amainou, voltam à arrogância habitual, arrotando caviar depois de comer apenas mortadela.
A estes, vale o conselho de Paul Krugman na sua mais recente coluna, ele que é Nobel de Economia, ao contrário de seus arrogantes colegas do sistema financeiro: “Agora que o Congresso e o governo estão tratando de reformar o sistema financeiro, deveriam ignorar os conselhos provenientes dos supostos sábios de Wall Street, que não tem nenhuma sabedoria a oferecer”. Acrescento eu: nem de Wall Street nem da avenida Paulista.
Aos banqueiros, vale a observação de Phil Angelides, presidente da comissão do Congresso que os ouvia: “A crise financeira não foi um ato divino; foi consequência de atos de homens e mulheres”.

Tais atos levaram até os executivos-chefes de 50 países, em pesquisa a que a Folha teve acesso, a afirmar que foi a indústria financeira a que sofreu a maior erosão em credibilidade junto ao público, seguida pelo ramo de seguros, parente próximo.
Mas é justo culpar também os bancos centrais, que deixaram um imenso buraco negro na regulação do sistema, o que permitiu aos gatos gordos da banca fazer uma farra de dimensões épicas que só poderia mesmo terminar em uma crise avassaladora.
Volto a Krugman: “Antes ou depois, esse sistema sem freios estava destinado a estourar. E, se não fizermos mudanças fundamentais, voltará a repetir-se”.

O que Obama está tentando fazer agora é uma parte das “mudanças fundamentais” a que se refere Krugman. Os gatos gordos reagirão, já estão reagindo, aliás, como mostram os movimentos nas bolsas e no câmbio. É uma reação silenciosa, ao contrário do ruído dos atentados fundamentalistas, mas o perigo é muito maior para Obama -e para todos, como ficou evidente na crise de 2007/2009.

Fonte: Folha de São Paulo

+ sobre o tema

Filantropia comunitária e de justiça socioambiental para soluções locais

Nasci em um quintal grande, que até hoje é...

Macaé Evaristo manifesta preocupação com exposição excessiva às bets

Recém-empossada no Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania,...

Liderança deve ir além das desgastadas divisões da esquerda e da direita

Muitos líderes preferem o caminho da enganação ao árduo...

Desigualdade salarial: mulheres ganham 11% a menos no DF, mesmo com lei de equidade em vigor

A desigualdade salarial entre homens e mulheres no Distrito...

para lembrar

Coreia do Sul faz convite oficial para que Dilma participe do G-20

Presidente eleita embarca em avião comercial nesta segunda-feira (8). Ela...

Obama fracassa em convencer oposição sobre reforma da saúde

Republicanos fazem duras críticas ao presidente e a seu...

Ivone Gebara: “Precisamos rever a luta pelo Estado Laico e o papel das religiões”

Ivone é uma das fundadoras da Teologia Feminista, católica,...

De Olho nas Eleições 2010: Racismo, desafio para o próximo governo

A corrida pelo poder teve início. Candidatos/as divulgam seus...

No Brasil, 4,5 milhões de crianças precisam de uma vaga em creche

Em todo o país, 4,5 milhões de crianças de 0 a 3 anos estão em grupos considerados mais vulneráveis e deveriam ter o direito...

Nordeste e Norte elegeram mais prefeitas mulheres nos últimos 20 anos

Mossoró, município de 265 mil habitantes no interior do Rio Grande do Norte, teve prefeitas por cinco vezes desde 2000, a maior marca brasileira entre cidades...

Candidatos ignoram combate ao racismo em debates em SP, 2ª capital mais desigual do país

As políticas de combate ao racismo foram praticamente ignoradas até agora nos debates dos candidatos à Prefeitura de São Paulo. Os encontros ficaram marcados por trocas de acusações,...
-+=