Branquinha negrinha

Os brasileiros ouvem e falam pouco do Equador. É claro, a gente aprende na escola (ou aprendia) que Equador e Chile são os únicos países sul-americanos que não fazem fronteira com o enorme Brasil. E fica por aí. Mas no pequeno Equador (256.370 quilômetros quadrados) vivi uma interessante experiência de identidade. A coisa se deu durante uma viagem de juventude nos anos 1980.

Por  no Mente Aberta

Mochila nas costas, dinheirinho no bolso, exacerbada curiosidade. Com aquela vontade natural de conversar com todo mundo. Mas entabular frases com o povo da capital Quito se mostrou impossível. Com tradição milenar, a população de ascendência indígena – escaldada por discriminações, desrespeitos, descasos – desconfiava de qualquer um com cara e jeito de forasteiro.

Se troca houve, foi apenas comercial. Lembro que comprei um chapéu do Panamá, ocasião em que soube que chapéus tipo panamá na verdade são equatorianos. Tecidos com folhas de palmeira por mãos para lá de talentosas. Poderia ter sabido bem mais, se as vendedoras quisessem falar. Mas mantinham silêncio da magnitude da Cordilheira dos Andes.

A atmosfera de mistério se desfez quando desci na rodoviária de Esmeraldas, cidade litorânea banhada pelo Pacífico – que eu aprendi, nas aulas de geografia, ser bem mais nervoso do que o nosso Atlântico. Na hora que botei os pezinhos em Esmeraldas, passei a me comunicar em código familiar. Pois a cidade era majoritariamente negra. Cheguei a perguntar: Será que estou na Bahia?

Vale lembrar que os afro-equatorianos são menos de 8% da população. Conta a história, ou a lenda, que no século 16 um navio negreiro com bandeira espanhola afundou rente à costa de Esmeraldas. Os náufragos sobreviventes acabaram fundando uma comunidade. Ela se manteve isolada do resto do país por mais de 200 anos. Tempo de fincar as tradições africanas.

O fato relevante é que Esmeraldas revelou o quanto negra eu era. Havia saído do Brasil imaginando ser branquinha. Precisei passar pelos Andes e alcançar o Pacífico para descobri que com os negros eu estava em casa. Comunguei com gestos, ginga, culinária, risadas. Bem diferente de Quito, onde eu pisava em ovos. Uma elefante entrando numa loja de bibelôs.

 em Esmeraldas, não havia estranhamento, nem esforço. Eu olhava para pessoas pensando: Eu conheço sua cultura. Aliás, ela é irmãzinha da minha. Vocês falam espanhol; eu, português. Vocês são da terra, eu sou turista. Mas a gente se entende em negritude.

Imagem: Régine Ferrandis

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