Cara pálida, este ensaio não é uma ameaça

– duas linhas de metrô e um trem é a condução [condição] necessária pra ler uma contra-narrativa da história do brasil –

Por Mariana de Matos, do Cidadão Cultura

[este breve ensaio é o depoimento de quem compreende que nenhum indivíduo escolhe ter um dedo enfiado em sua própria ferida mas às vezes, precisa]

há tempos [você não imagina,] que busco encontrar meus pares por onde caminho. sim, no meio social, [e profissional] nem sempre é bom se sentir ímpar e caminhar sozinho. sou 1 poeta/artista visual comprometida com a leitura das dinâmicas sociais e muito interessada nas relações de poder estabelecidas dentro do sistema de arte no brasil. por isso, me desloquei tanto pra ler rosana paulino [em alinhavando histórias] no senac lapa scipião em são paulo. [visitas até 4 de fevereiro].

rosana aponta as manobras seculares operadas pra determinar um lugar de subalternidade para o negro dentro da sociedade brasileira. assim, evidencia as históricas relações de poder que infelizmente ainda se arrastam dentro do nosso território [no meio social e no meio das artes]. desnaturaliza o olhar colonizado e acostumado com a representação do negro no sistema educacional brasileiro e de maneira potente tece finalmente nossa narrativa da história.

a linguagem, o conteúdo e a condução poética usada pela artista é de uma elaboração comovente. tudo na exposição conversa de maneira contundente e sua pesquisa toca fundo a espessa camada estética dos trabalhos. depois de ver a exposição, fiquei pensando que o brasil inteiro [em especial os pretos] deveriam partilhar esta porrada.

Imagem retirada do site Cidadão Cultura

curioso ou não, nesta contra-fala torna-se evidente o lugar de cada visitante dentro do discurso que mora na história “oficial” do brasil. ou cê mora na casa de quem sustentou um privilegiado lugar de fala com o auxílio da ciência e de outras poderosas ferramentas colonizadoras ou na casa de um povo sequestrado, silenciado, sexualizado e subalternizado. [só se resolve tantos S com surra, pensei. rs]

bem, a ausência da produção de artistas negros na historiografia e nos espaços institucionais expositivos no brasil ainda é alarmante. basta uma breve pesquisa pra confirmar que nas [ditas] mais importantes exposições e espaços [bienal, inhotim, entre outros], há uma disparidade enorme entre artistas brancos e negros. certo. mas eu, que não escondo minhas dúvidas, fico muito curiosa pra compreender esta difícil equação histórica. peço agora ajuda aos ESCLARECIDOS intelectuais:

será que não temos uma produção artística pertinente, que dialogue com o sistema valorativo branco, ou o meio da arte reproduz os cacoetes das operações excludentes? quais são os rigorosos e inacessíveis critérios confabulados entre os poucos poderosos que distribuem confetes e textos coringa-curatoriais para transeuntes que aplaudem discursos uníssonos? quantas cores cabem nas discussões da arte contemporânea brasileira? qual a real responsabilidade e contribuição de um curador diante destes sublimados fatos?

[o desafio é partilhar o microfone, cantor?] bem,

eu sei que não é novidade que o meio das artes está arduamente povoado por critérios brancos olhares brancos narrativas brancas valores brancos, mas a notícia quente é que você, caro desconhecido, que determina quem ocupa os espaços privilegiados de fala, vai precisar admitir que os temíveis discursos dos pretos existem há séculos e soará cada vez de maneira mais potente no recôndito branco e hegemônico [na orelha mesmo cortada] da arte brasileira.

[cara pálida, esta estrofe não é uma ameaça]

como hoje é dia de oxalá e estou vestida de branco, gostaria de abrir esta discussão pra que possamos pensar juntos nas inesgotáveis questões que tangenciam este tema. incômodos, justificativas, presságios, aprendizagem.

*observação I: não vale considerar que “bons” artistas negros só apareceram agora para este DOM artístico tão raro, digno dos talhados semi-deuses.

*observação II: em todos os cantos estou à procura dos meus. pra ouvir e dividir ânsias, emoções, inquietações, sentimentos, feridas e sobretudo conquistas. se todos falam, é bom que pra todas as falas, existam atentos ouvidos.

*credenciais pro universo das artes: rosana paulino é doutora em gravura e bacharel em artes pela ECA/USP. tem sido objeto de estudos acadêmicos, livros e revistas. [ainda bem]

*curva perigosa da questão: tem como foco questões sociais, étnicas e de gênero. se dedica a  investigar pontos na história que são constantemente negligenciados em relação ao negro.

*citação: “cê tá ligado de quem escreveu essa história? e tá ligado que quem fala é nóis agora?” BAHIA, mc altamira.

*pra conhecer mais sobre a maravilhosa, clique aqui.

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