A Carta da presidência da COP30 enviada à comunidade internacional nesta segunda-feira, 10 de março, pelo presidente da COP30, o brasileiro André Corrêa do Lago, é fundamental para que o Brasil finalmente diga para o mundo o que deseja para a Conferência do Clima que será realizada em novembro deste ano. Mas a população afrodescendente não se vê representada pelos desejos do governo brasileiro apresentados nesta carta.
A população afrodescendente representa aproximadamente 300 milhões de pessoas em todo o mundo, definição estabelecida pelo Grupo de Trabalho Especialistas em Afrodescendentes das Nações Unidas. Essa população é formada por descendentes das vítimas do tráfico transatlântico de escravos e do Mar Mediterrâneo, que inclui o comércio de povos africanos escravizados sub-saarianos, que vivenciaram a diáspora na América do Norte, Central, do Sul e no Caribe. A população afrodescendente é parte integrante da história e dos processos econômicos, políticos, ambientais e sociais de construção e desenvolvimento das nações na América Latina e no Caribe. Os censos nacionais, de acordo com Cecchini et al. (2021), estimam que 21% da população total da região, pouco mais de 134 milhões de pessoas, são afrodescendentes. No Brasil, 56% da população se autodeclara negra, ou seja, afrodescendente segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2022).
“O termo afrodescendente torna-se linguagem consagrada nas Nações Unidas e designa um grupo específico de vítimas de racismo e discriminação; pelo reconhecimento da urgência de implementação de políticas públicas para a eliminação das desvantagens sociais, recomendando aos Estados e aos organismos internacionais, entre outras medidas, que “elaborem programas destinados aos afrodescendentes e destinem recursos adicionais a sistemas de saúde, educação, habitação, eletricidade, água potável e medidas de controle do meio ambiente, e que promovam a igualdade de oportunidades no emprego bem como outras iniciativas de ação afirmativa ou positiva”. Sueli Carneiro em artigo “Durban não terminou”, em julho de 2012 para o Portal Geledés.
Globalmente, a população afrodescendente está desproporcionalmente concentrada em ‘’zonas de sacrifício’’ – regiões onde predominam ameaças à vida devido à degradação ambiental. Essa realidade de magnitude histórica, implica em ganhos econômicos e políticos para uns, enquanto submete muitos a condições de extrema vulnerabilidade.
À luz da situação das mudanças climáticas no Brasil, Geledés defende que o racismo ambiental seja reconhecido por parte das autoridades nacionais e internacionais. A sinergia entre a proteção da biodiversidade e a mitigação e adaptação às mudanças climáticas é fundamental para o diálogo e para formular propostas para políticas públicas. O conceito racismo ambiental foi formulado para demonstrar que os impactos da degradação ambiental e das injustiças ambientais e climáticas afeta diretamente pessoas racializadas O que exige a reorientação das instituições políticas, dos sistemas econômicos e dos princípios legais para implementar medidas antirracistas de adaptação, mitigação e reparação de perdas e danos reconhecendo o racismo sistêmico, conformado historicamente por populações afrodescendentes e indígenas, e na ação institucional deliberada que mantém permanentemente as populações afrodescendentes em condições de vulnerabilidade social, política e econômica em todo o planeta.
No Brasil, os defensores da terra, florestas e direitos humanos têm lutado há muito tempo contra atividades extrativistas e projetos associados à noção de desenvolvimento, muitos deles ligados diretamente à produção de combustíveis fósseis, que na prática intensificam a crise climática, pressionam aqueles que vivem nos territórios mais vulnerabilizados, desmatam florestas e demais biomas, poluem o ar e contaminam cursos d’água, quebram relações comunitárias e geram deslocamentos forçados. Essas atividades são as responsáveis pelas violações sistemáticas dos direitos das mulheres afrodescendentes, quilombolas, rurais e indígenas. Soma-se a eles parte substancial da população afrodescendente que reside nas periferias urbanas. Pessoas historicamente vulnerabilizadas, obrigadas a produzirem suas vidas em locais que concentram riscos de desastre, além das consequências mais frequentes e severas das mudanças do clima.
Mesmo diante de uma pressão cada vez maior dos movimentos de todo o mundo para que se reconheça a dimensão racial da crise climática, a população afrodescendente ainda não foi incorporada com a devida importância nos documentos de negociações.
É fundamental que o Estado brasileiro se responsabilize em propor e defender a linguagem que representa dados do seu próprio país, com respeito a história e o trabalho da população afrodescendente na política ambiental e climática do país e sua pressão estabelecida nacionalmente e internacionalmente.
Esperamos que a carta seja retificada e que as próximas comunicações da presidência da COP30 levem em consideração uma agenda histórica de enfrentamento às desigualdades sociais e raciais e por direitos humanos.