Organizações chamam atenção para a relação entre violações de direitos humanos e combustíveis fósseis

Geledés na ONU, incidencia internacional de Geledés Instituto da Mulher Negra

Um grupo de organizações da sociedade civil enviou um documento à ONU denunciando os impactos de uma economia baseada em combustíveis fósseis sobre os direitos humanos e o meio ambiente. Assinado por Geledés – Instituto da Mulher Negra, Observatório do Clima, Rede por Adaptação Antirracista, Instituto Omó Nanã, Instituto Alana, Instituto Talanoa e 350.org Brasil, o texto destaca que comunidades tradicionais, povos indígenas e populações afrodescendentes são as mais afetadas pela degradação ambiental e pela exploração predatória de petróleo e gás.

Entre os principais impactos estão a poluição do ar e a contaminação da água, o desmatamento, os processos diretos e indiretos de expropriação de terras e o deslocamento forçado de comunidades e a violação de direitos territoriais. Além disso, o documento alerta que, sem garantias de justiça climática, a chamada “transição energética” pode aprofundar desigualdades, especialmente devido à dependência de minerais como lítio e níquel, além da necessária instalação de grandes empreendimentos para geração de energia.

Primeiras manchas de óleo começaram a aparecer no litoral brasileiro no dia 30 de agosto de 2019; Na imagem, moradores limpam praia de Recife (PE) (Foto: Joyce Farias/Greenpeace)

Racismo ambiental e impactos sobre grupos vulnerabilizados

O relatório destaca que a exploração de combustíveis fósseis está diretamente ligada ao racismo ambiental, pois perpetua ou ainda reforça as disparidades raciais que remontam ao período colonial. Isso porque, são as populações racializadas, especialmente comunidades indígenas e afrodescendentes, que sofrem os maiores impactos decorrentes da poluição, além de vivenciarem com maior severidade as consequências da crise climática intensificada por esse modelo.

As mulheres, sobretudo afrodescendentes e indígenas, enfrentam tais situações e ainda têm que lidar com condições precárias de trabalho, maior exposição à violência doméstica e dificuldades no acesso a recursos financeiros e participação política. Crianças também estão entre os grupos mais vulneráveis, uma vez que os impactos ambientais comprometem o seu desenvolvimento.

Desafios

O relatório reforça que os países signatários do Acordo de Paris já reconheceram a necessidade de eliminar os combustíveis fósseis de forma justa. No entanto, as negociações globais avançam lentamente, enquanto comunidades seguem sofrendo os impactos da exploração predatória. Para as organizações que assinam o documento, a transição energética precisa ser mais do que somente uma mudança na matriz energética, deve interferir nas estruturas de produção nos diferentes setores para garantir justiça social, proteção ambiental e respeito aos direitos humanos.

Superar uma economia baseada em combustíveis fósseis apresenta grandes desafios. Isso porque, embora seja essencial para reduzir as emissões de gases do efeito estufa, qualquer horizonte energético que não inclua transformações nas atuais estruturas de reprodução social deverá manter práticas extrativistas e violações aos direitos humanos. 

Nesse sentido, o documento chama atenção para uma perspectiva de justiça climática que enfrente especialmente os seguintes mecanismos:

  • Exploração de minerais críticos: A corrida pelo lítio, níquel e cobre, essenciais para tecnologias de energia limpa, tem levado à violação de direitos de povos tradicionais e à degradação ambiental.
  • Falta de consulta às comunidades: Grandes empreendimentos, como parques eólicos e solares, muitas vezes são implementados sem diálogo com as populações locais, reproduzindo antigas injustiças.
  • Greenwashing: Empresas e governos promovem uma imagem sustentável sem mudanças reais, mascarando práticas prejudiciais e perpetuando desigualdades.

O que precisa ser feito?

Como caminho, as organizações defendem uma série de medidas, incluindo:

Participação comunitária nos processos de decisão sobre políticas energéticas, com modelos descentralizados e cooperativas;
Fortalecimento de regulamentações ambientais para impedir a expansão de combustíveis fósseis e garantir a consulta prévia e informada às comunidades afetadas;
Proteção social e requalificação profissional para trabalhadores impactados pela transição, garantindo empregos de qualidade nas novas indústrias;
Monitoramento e transparência na implementação das metas climáticas, evitando falsas soluções e práticas de greenwashing;
Acesso ao financiamento climático para países do Sul Global, garantindo que as populações mais vulneráveis não sejam prejudicadas.

Leia a recomendação em português e inglês


Fernanda Pinheiro da Silva – Geógrafa, mestra em Geografia Humana e doutoranda em Planejamento e Gestão do Território. Integra o Laboratório de Justiça Territorial (LabJuta-UF

ABC) e atua em Geledés, onde apoia a assessoria internacional para o enfrentamento do racismo ambiental.

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