Carta para minhas amigas

Caras amigas,

Fonte: What Mommy Needs

Esta é uma carta séria. Minha vontade é passar toda força que tenho cultivado através das experiências que vivo, em situações semelhantes às que vocês estão vivendo ou acabaram de viver.

Sei que às vezes minhas palavras são duras. Fica parecendo que sou insensível, cruel, e perfeitinha – como uma de vocês me disse recentemente. Mas, tenho certeza que vocês, conhecendo-me, sabem que não é nada disso: sou apenas uma sobrevivente e lutadora que ainda se debate entre os prós e contras dessa minha postura “pronta pra briga a qualquer momento”. Eu amo vocês e odeio as injustiças, especialmente aquelas que acometem mulheres diariamente e que pouca gente tem coragem de perceber.

Vocês são corajosas, e por isso, sei que não fecharão os olhos (nem os ouvidos) diante das minhas palavras, mesmo que elas pareçam duras demais. Elas não são contra vocês – nem mesmo contra eles. Minhas palavras são contra as desigualdades arraigadas em nosso inconsciente coletivo, em nossa sociedade, nas pequenas atitudes que homens e mulheres reproduzem sem sentir.

Quer dizer, sentir nós sentimos. E quando chega no limite, sentimos até demais. Até doer tanto que nos damos conta de nossa dependência e do quanto ainda precisamos conquistar.

Amigas queridas, ele pode ser o cara mais generoso, mais inteligente, mais sedutor que vocês já conheceram. Mas, palavras de ameaça física ou psicológica NÃO. Ciúmes não é justificativa para agressões. E, ciúmes não é prova de amor. Também não vale cobrar de vocês aquilo que lhes é “socialmente esperado”, mas do qual não têm a menor obrigação. Não aceitem que ele cobre a roupa limpa e passada, ou a comida feita, porque no fim do mês ele “paga a conta”. Não aceitem que te jogue na cara uma escolha que ele mesmo fez. E, se ele não paga a conta, nem mesmo uma parte dela, e isso não foi uma escolha feita pelos dois, também não me parece ser um acordo justo.

Sim, fazemos acordos sempre. Casar é um acordo, assim como morar junto, viver junto, namorar… E nesse compromisso não é só a fidelidade que impera. Em primeiro lugar, nós desejamos o cuidado. Cuidar um do outro é o acordo. Então, se ele espera todo carinho e cuidado que você lhe dá quase naturalmente, não deve ficar admirado quando você reclama que ele nem sabe o quanto a prova de amanhã é importante pra você.

Porque vocês sabem quando ele precisa de apoio. Vocês se esforçam para poupa-lo quando sabem que tem um exame importante, quando ele vai passar por alguma seleção profissional, quando ele tem algo muito importante para escrever, produzir, etc. E isso é muito bom. Na verdade, ele deveria aprender com vocês. Assim, como nós aprendemos a deixar nossos filhos em casa e passar 9, 10 horas por dia no trabalho, ele podia ter aprendido a ser mais cuidadoso, a dar apoio afetivo, emocional, quando precisamos.

Mas, infelizmente, amigas, ele ainda não consegue enxergar muito bem o motivo de sua tristeza. Ele não entende que vocês não querem um professor, um doutor, um chefe ilustre para admirar. Vocês querem alguém que seja capaz de abrir mão do status de sexo dominante para chegar junto, para admirar o que vocês produzem, para incentivá-las em seu crescimento.

Eu não tenho dúvidas que no caso de ele receber uma excelente proposta de estudo ou trabalho em outro país, vocês se sentiriam empolgadas para acompanhá-lo, e fariam das perdas apenas um meio de ganhar amadurecimento na relação. Não tenho dúvidas, que nesse caso, vocês conseguiriam desenvolver projetos, criar alternativas, para viverem ao lado dele, mesmo que uma mudança dessa magnitude não estivesse em seus planos. Isso ele poderia aprender com vocês. O pior é que muitas vezes ele não sabe nem o que quer, fica reproduzindo o comportamento do pai, e não aceita o fato de que vocês tem planos, tem sonhos, e têm o potencial de seguir uma carreira muito bem sucedida. Ele é capaz de chamar seus projetos de ilusão, e coloca sorrateiramente uma dúvida enorme dentro de vocês, se realmente são capazes de prosseguir e realizar aquilo que queriam.

Não subestimem as palavras. Palavras violentas machucam muito a alma, e podem um dia chegar a se materializar em ações. Palavras de desânimo, de descrédito, tem o poder de nos amedrontar, de nos fazer adiar os projetos mais desejados. É como uma opressão silenciosa, que começa a incomodar, sem que a gente se dê conta de onde ela vem.

Amigas, eu vejo de onde ela vem. Porque no dia dia, eu posso senti-la também. É contra ela que luto e não contra ele. Mas, se ele me faz sentir ameaçada, oprimida, por qualquer coisa que seja, enfrento-o. Hoje, depois de muitos enfrentamentos, de muito diálogo, posso dizer que ele entende minha luta. Outro dia mesmo, discutimos porque ele não me dá o apoio afetivo que preciso para continuar perseguindo minha carreira, para continuar escrevendo. Vejam só, quando ele precisou, eu revisei sua monografia inteirinha em uma semana. Mas, o meu livro, que já escrevi há um ano, ele ainda não terminou de ler.

Ele pode achar que nós é que temos que ser menos afetivas, menos amorosas, mas por que não o contrário? Por que ele é que não deve aprender a ser menos violento?

Porque violência, amigas, tem vários graus. A negligência é violência. O machismo é violento. E fingir que ele não existe só piora as coisas.

Por isso, queridas, minha palavra para vocês hoje é SEPARAÇÃO. Se as palavras dele beiram a violência física, ou se as atitudes são negligentes a ponto de deprimi-las, separem-se. Cuidem de si mesmas, porque com certeza é melhor amar-se sozinha do que depender do amor de alguém que não sabe amar. Se ele não enxerga o erro, se ele não percebe o próprio machismo, NÃO TOLERE sua companhia.

A primeira arma contra a violência de gênero é a sua atitude.

 

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