Caso Casa Grande e Senzala: Arquivamento do Inquérito Civil

Editora Global/Fundação Gilberto Freyre, 2005.

Como resultado da luta do Observatório Negro, da Articulação Negra de Pernambuco, desde 2005, e da mobilização de diversos ativistas negros e de direitos humanos, o promotor de justiça Dr. Westei Conde y Martin Junior instaurou um inquérito civil conjunto à Promotoria de Educação, realizando no ano de 2008 uma audiência pública para a tomada de depoimentos e apresentação de provas sobre a denúncia de Casa Grande e Senzala em Quadrinhos ser uma publicação racista. Trata-se de uma versão deturpada da história da formação nacional brasileira, que adoça o escravismo colonial português e põe a pessoa negra, em especial a mulher, em um lugar naturalizado de coisificação, exploração e subserviência, ocultando o protagonismo e resistência negras contra a violência racial e sexista da escravização.

Tratando a mulher negra, por exemplo, como “grande atoleiro de carne” (sic) para a satisfação sexual dos senhores brancos, aquela publicação foi objeto de convênio entre a Fundação Gilberto Freyre e as secretarias de educação do Estado de Pernambuco e da Cidade do Recife, no intuito de distribuí-la entre crianças e adolescentes das redes públicas de ensino.

Com a mobilização do movimento negro e com a denúncia da distribuição nacional da referida obra, o Observatório Negro encaminhou representação à Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão em São Paulo (sede da Editora Global), representação esta arquivada e, após recurso, arquivada uma segunda vez. Dando seguimento, o Observatório Negro representou ao Ministério Público Estadual de Pernambuco contra a Fundação Gilberto Freyre, a Prefeitura do Recife e o Governo do Estado de Pernambuco.

Em resposta à denúncia, o Governo do Estado se comprometeu a não realizar a distribuição do livro na rede estadual de ensino. O Gerente de Políticas de Educação e Direitos Humanos, Diversidade e Cidadania da Secretaria de Educação do Estado se posicionou de forma contrária à celebração de convênio com a Fundação Gilberto Freyre.

A prefeitura do Recife, no entanto, negou-se a estabelecer esse compromisso, pelo convênio já firmado, ensejando o inquérito civil instaurado pelo MPPE.

A Fundação Gilberto Freyre desdenhou todas as questões levantadas pelo movimento negro, referendando o caráter racista da obra.

Após a audiência pública realizada, o atual Secretário de Educação, Esporte e Lazer do Município do Recife informou, em audiência com o MPPE, que “esta publicação em particular não está mais sendo utilizada como recurso na rede; que permanecem as visitas dos alunos à Fundação Gilberto Freyre, mas o livro objeto deste inquérito civil não está sendo distribuído para os alunos da rede; que desde a realização da audiência de 26/03/2008, houve um entendimento com a mencionada Fundação de que o Convênio seria mantido, sem a entrega do livro aos alunos; que a rede municipal se utiliza de outras publicações no trabalho pedagógico; que a Fundação não tem cobrado mudanças na postura da Secretaria Municipal de Educação com relação a voltar a distribuir o livro aos alunos visitantes (…)”.

Considerando, assim, a perda do objeto da investigação, o promotor público Westei Conde e as promotoras Taciana Rocha e Katarina de Gusmão promoveram o arquivamento do Inquérito Civil.

Acreditamos que, ainda longe de pôr fim à perversidade racista presente na obra Casa Grande e Senzala em Quadrinhos, tivemos em parte uma vitória contra esta publicação racista. Embora seja livremente veiculada – apesar de revisionista (nega a violência e opressão do escravismo racial no Brasil), racista e sexista, conseguimos estancar a distribuição nas redes públicas de ensino.

No entanto, não houve a reparação nem a compensação dos danos já causados, dado que já havia sido distribuído largamente na rede municipal do Recife.

Lembremos, sempre, que os danos psíquicos, morais e pedagógicos resultantes desta obra, como de outras obras de conteúdo racista dirigidas ao público infanto-juvenil, são a causa de um processo complexo de GENOCÍDIO contra a população negra. É negando, à pessoa negra, o direito de ser humano livre de pechas e estereótipos, que se constituem mecanismos de invibilização ou de representação negativa – responsáveis ora pelo descaso na saúde da população negra, ora pela violência policial contra a juventude negra, ora pelo autoconceito negativo por parte das crianças negras.

Continuamos na peleja pela justiça, equidade e vida para o povo negro brasileiro.


http://www.publicidadeinfantilnao.org.br

+ sobre o tema

Ministra da Igualdade Racial participa de debates do Fórum Social Temático 2012

Quilombos e mulheres negras são pautas da agenda da...

Ilê Aiyê recebe inscrições de crianças para formação de banda mirim

Crianças com idades entre 8 e 15 anos podem...

Movimento Negro alerta sobre a anemia falciforme

Por: Jeyson Nascimento     Agentes Comunitários de Saúde (ACS) participam nesta...

Entidades do Movimento Negro se reúnem para debater calendário de lutas

Por: Lívia Francez   Diversas entidades e organizações...

para lembrar

Morre árvore de 200 anos, símbolo da cultura negra em Araxá

Lenda conta que dois escravos foram enforcados na árvore.Depois...

Ao som dos tambores africanos

Novo espaço da cultura negra em Curitiba apresenta oficinas...

Ministras buscam parcerias com estados pela igualdade racial e de gênero

  As possibilidades de parcerias e convênios entre o governo...
spot_imgspot_img

João Cândido e o silêncio da escola

João Cândido, o Almirante Negro, é um herói brasileiro. Nasceu no dia 24 de junho de 1880, Encruzilhada do Sul, Rio Grande do Sul....

Levantamento mostra que menos de 10% dos monumentos no Rio retratam pessoas negras

A escravidão foi abolida há 135 anos, mas seus efeitos ainda podem ser notados em um simples passeio pela cidade. Ajudam a explicar, por...

Racismo ainda marca vida de brasileiros

Uma mãe é questionada por uma criança por ser branca e ter um filho negro. Por conta da cor da pele, um homem foi...
-+=