Caso de racismo em loja de SP evidencia preconceito enraizado no Brasil

“Estou procurando mudança social”, diz pai de garoto vítima de racismo na Oscar Freire. Caso reacendeu debate e repercutiu nas redes sociais

Por  Júlia Chaib  Do Em 

A situação pela qual passou o editor Jonathan Duran, 42 anos, em frente a uma loja na rua Oscar Freire, em São Paulo, repercutiu nas redes sociais e voltou a acender o debate sobre a discriminação racial no país. No relato na internet, ele acusa a vendedora de uma loja de ser racista com o filho, uma criança negra de 8 anos, ao tentar expulsar o garoto da frente do local, após confundi-lo com um ambulante. Para especialistas ouvidos pela reportagem, a história evidencia um preconceito enraizado no Brasil e ressaltaram a importância de se denunciar e expor os casos.

Segundo Jonathan, ele e o filho estavam parados em frente à loja Animale para esperar a mulher, que estava em outro estabelecimento para comprar sapatos. Enquanto ele falava ao telefone com a companheira, uma funcionária tentou expulsar o filho do local. “A vendedora chegou e falou brava: ‘Não pode vender coisas aqui!”, contou. Jonathan disse que, antes de ir embora, limitou-se a informar: “Ele é meu filho”. Na mensagem publicada no sábado em redes sociais, Jonathan, que é norte-americano, desabafou: “Em certos lugares em São Paulo, a pele do seu filho não pode ter a cor errada”. O post tinha mais de mil compartilhamentos na tarde de ontem.

Na avaliação de Carlos Alberto de Paula, professor da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador de Enfrentamento ao Racismo do Distrito Federal, o caso esvazia o argumento de que o problema se restringe meramente a uma discriminação econômica. “São situações que evidenciam um aumento crucial em torno da discriminação. As evidências são recorrentes. A eterna renitência de que a questão passa só pelo econômico se esvazia quando ocorre em campo demarcado à circulação de determinado grupo social, como a Oscar Freire”, disse. Para o professor, as questões racial e social caminham juntas, e os constantes relatos de discriminação servem para derrubar a hipótese de que o Brasil não é um país racista.

“Esse aspecto é danoso e precisa ser discutido. Não se pode achar que estamos vivendo num país maravilhoso com aquele discurso da cultura paradisíaca em que todas as culturas se encontram e convivem em paz. Se existe esse discurso, ele deve ser discutido”, disse o professor do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UnB Nelson Inocêncio.

Na avaliação dos especialistas, é fundamental que o caso seja denunciado à polícia. Ao Correio, Jonathan disse que ainda não decidiu se fará uma ocorrência na polícia, mas afirmou que pretende continuar falando sobre o assunto para estimular o debate sobre a questão racial. “No fundo, o que estou procurando é uma mudança social”, disse. Por meio de nota, a Animale informou que entrou em contato com o pai, que repudia qualquer ato de discriminação e que apura o caso internamente.

Memória

Relembre alguns casos recentes de racismo que tiveram ampla repercussão

Agosto de 2014

» O goleiro Aranha, do Santos, foi alvo de ofensas racistas de torcedores do Grêmio durante partida em Porto Alegre. Uma torcedora foi identificada por câmeras de segurança e foi hostilizada pela população.

Fevereiro de 2014

 

» Assim como Aranha, o volante Tinga também foi alvo de ofensas racistas por parte da torcida. O episódio aconteceu no Peru, quando o atleta enfrentava o Real Gracilaso pelo Cruzeiro.

20150401120934849340iTinga foi vítima de racismo por parte de torcedores. Insultos racistas são recorrentes no futebol

A cobradora Claudinei Gomes, 33 anos, foi xingada de “negra ordinária e preta safada” por uma passageira, em Brasília

» Uma australiana, residente no país há cinco anos, recusou-se a fazer as unhas com uma manicure negra, em um salão também de Brasília, a quem ofendeu de “raça ruim”, e exigiu que a profissional ficasse longe dela. Levada à 1ª DP, a estrangeira repetiu as agressões contra uma agente negra da Polícia Civil.

 

Outubro de 2013
» O contador Kim Furtado foi chamado de “retardado” por uma caixa de banco ao tentar fazer um depósito de R$ 50 mil. A funcionária quis saber a origem do dinheiro e só acreditou em Kim quando um amigo branco confirmou a história do contador

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Março de 2013
» Estudantes da faculdade de Direito da UFMG passam trote com referências racistas em calouros do curso. Uma das alunas chegou a ser acorrentada e seu corpo tingido de preto. Ela foi fotografada segurando uma placa com os dizeres “Caloura Chica da Silva”

 

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