Celebrando avanços, ONG lança plataforma sobre mulheres na política

As eleições municipais deste ano foram marcadas sobretudo pela pluralidade de mulheres que conseguiram alcançar cargos políticos. De acordo com a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), 25 mulheres transexuais foram eleitas no Brasil nesse pleito. O número representa um aumento de 212% em relação às candidaturas eleitas em 2016.

As mulheres negras também estão em destaque nestas eleições. Em Porto Alegre, Karen Santos (PSOL) foi a vereadora mais votada da capital gaúcha, e no Recife, Dani Portela (PSOL) também ficou em primeiro lugar entre os candidatos à Câmara Municipal. Entre as capitais, Curitiba se destacou por ter eleito sua primeira vereadora negra, Carol Dartora (PT).

Para a mestre em ciências sociais e uma das quatro diretoras do Instituto Alziras, Michelle Ferreti, “essas candidaturas abrem espaço para que outras mulheres negras e transexuais cheguem a cargos políticos. Temos muito a comemorar, mesmo que em termos de paridade esses números ainda sejam baixos, porque há muitos avanços em função das lutas sociais e em torno do debate sobre a ocupação dos espaços de poder na sociedade”.

Plataforma online Mulheres nas Eleições

O Instituto Alziras, organização sem fins lucrativos que busca ampliar e fortalecer a presença de mulheres na política brasileira, acaba de lançar a plataforma online Mulheres nas Eleições, com o objetivo de dar visibilidade às desigualdades de gênero e raça na distribuição dos cargos eletivos no país e contribuir para práticas mais justas e igualitárias.

O espaço também reúne dados e estudos inéditos, produzidos pela organização, que ajudam a explicar as barreiras enfrentadas pelas mulheres para serem eleitas e exercerem plenamente seus mandatos.

Ao longo de dois meses, será disponibilizada uma série de quatro estudos. O primeiro deles, o único já publicado, denominado “As Prefeitas Brasileiras e os Partidos Políticos”, entrevistou 40% das mulheres à frente dos executivos municipais para identificar suas percepções acerca das práticas adotadas pelos partidos para ampliar a participação feminina nas eleições.

“A ideia da plataforma era poder produzir dados que mostrem a situação das mulheres na política brasileira, especialmente no processo eleitoral. Porque o que a gente percebe é que elas, apesar de terem um percentual alto de candidaturas, ainda precisam ser mais representadas, e também acabam tendo sua competitividade eleitoral afetada em função de uma série de barreiras que vivenciam”, explica Michelle Ferreti.

Ela ainda aponta que vivemos em uma sociedade estruturalmente machista e que cria no imaginário da população, de uma forma geral, a ideia de que as mulheres estão mais destinadas ao espaço privado, e os homens ao espaço público.

“Quando olhamos para os municípios e vemos que só 12% deles eram governados por mulheres até esse ano, e que só 7% da população brasileira estava acostumada a ver uma figura feminina como principal liderança na sua cidade, percebemos que a política ainda é muito associada aos homens.”

Menos de um terço das entrevistadas do estudo “As Prefeitas Brasileiras e os Partidos Políticos” afirmaram que seu partido estava realizando alguma iniciativa de preparação de candidatas no ano anterior às eleições de 2020. O dado é preocupante, uma vez que a lei estabelece que pelo menos 5% dos recursos do Fundo Partidário devem ser aplicados anualmente em programas de promoção e difusão da participação política das mulheres.

Neste contexto, Michelle afirma que “dentro dos partidos políticos ainda há elites majoritariamente masculinas e brancas, que dominam historicamente espaços de poder e que pretendem continuar nessa função. Os partidos precisam entender que, na medida em que avançam na representação de mais diversidade de vozes que compõem a sociedade, têm muito a ganhar do ponto de vista da legitimidade pública”.

Ainda de acordo com o estudo, as mulheres são mais da metade da população do país (52%) e 44% do total de filiados a partidos políticos, mas só ocupam 21% das direções das executivas nacionais dessas organizações. “Existe um trabalho a ser feito do ponto de vista da distribuição mais igualitária dos espaços de poder dentro dos partidos, porque é isso que vai definir as candidaturas prioritárias e o tipo de suporte que as candidaturas femininas irão receber”, afirma Michelle.

Cotas, candidaturas fantasma e fiscalização

A Lei 12.034/2009 tornou obrigatório o preenchimento do percentual mínimo de 30% para candidaturas femininas em cada partido. E para além disso, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) exige o repasse de 30% dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, conhecido como Fundo Eleitoral, para candidaturas de mulheres.

Neste contexto, existe a interpretação de que os partidos atribuem o cargo de vice para mulheres em suas chapas, para cumprir a exigência do TSE, mas também para disponibilizar verba para as candidaturas principais. “O que os dados revelam é que houve um aumento da proporção de mulheres candidatas a vice-prefeitas. Saímos de um patamar de 17% em 2016 para 21% neste ano. A hipótese de que isso tem a ver com as cotas vem se consumando porque já acompanhamos esse processo acontecer nas eleições de 2018”, diz a diretora do Instituto Alziras.

“Por um lado, isso nos mostra que os partidos ainda não conseguiram priorizar mulheres como cabeça de chapa, mas há uma vantagem importante em relação a isso porque vemos que a visibilidade política que elas ganharam é importante para a formação de seu capital político. Um exemplo disso é Manuela D’Ávila (PCdoB), que foi candidata a vice-presidente da República em 2018, e agora, disputa em segundo turno a prefeitura de Porto Alegre”, diz Michelle.

“A justiça eleitoral tem uma função fundamental no processo de fiscalização das candidaturas, a imprensa também vem cumprindo um papel muito importante em relação a isso e a própria sociedade civil organizada está ampliando esse debate na agenda pública”, diz.

Mas, para além de toda essa fiscalização, a aplicação de políticas públicas também é necessária. “Precisamos ter medidas que reduzam as desigualdades de gênero, para que as mulheres possam contar com melhores condições para poderem participar da política.”

+ sobre o tema

Precisamos falar de Gabriele Leite

Conheci Gabi em um festival da cidade de Cerquilho...

Mulheres do MAB entregam pauta a Dilma

No documento, participação popular na formulação da política energética...

CNJ afasta juiz que comparou Lei Maria da Penha a ‘regras diabólicas’

Edílson Rodrigues ficará afastado por pelo menos 2 anos,...

Sobre transexualidade, feminismo interseccional e sororidade

“Não se nasce mulher, torna-se.” Zaíra Pires para o Blogueiras Negras Creio que...

para lembrar

Prêmio Lélia Gonzalez estimula ação de entidades de mulheres negras

Organizações de todo o país poderão desenvolver projetos de...

Saúde lança programa para reduzir mortalidade materna de mulheres pretas em 50% até 2027

O Ministério da Saúde lançou nesta quinta-feira (12) uma nova versão...

UNIFEM abre edital de ensaios sobre a luta contra o racismo das mulheres das América Latina e Caribe

Incentivar a produção de conhecimento e reflexão sobre racismo...
spot_imgspot_img

Mulheres Negras: Encruzilhadas de Raça e Gênero

Encontro "Mulheres Negras: Encruzilhadas de Raça e Gênero" com Sueli Carneiro e Neon Cunha acontece amanhã, 19h on-line Sueli Carneiro e Neon Cunha, referências no...

Selo dos Correios celebra Luiza Bairros, ex-ministra e ativista negra

Os Correios e o Ministério da Igualdade Racial lançam nesta terça-feira (17) um selo em homenagem à socióloga gaúcha Luiza Bairros, ex-ministra da Secretaria de Políticas de Promoção...

USP cria projeto para atendimento odontológico exclusivo para população transgênero

Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (Forp) da USP coloca em prática, a partir deste mês, o projeto DTM Trans para preencher as lacunas para...
-+=