A sociedade brasileira e em particular o movimento negro vive um momento singular no reconhecimento do papel das celebridades em nossas vidas. A Revista Raça é um testemunho vivo desse momento. O evento mais marcante nesse sentido é o BBB, que se transformou no espaço mais importante de promoção e assassinato de reputações, numa velocidade estonteante.
O fascínio pelas celebridades vem de longe, interferindo diretamente no comportamento de pessoas, grupos sociais e empresas de forma explícita. O massacre sofrido pela rapper Karol Conká, no último BBB, a reação da sociedade e o trabalho que vem sendo desenvolvido para reposicioná-la no mercado diz bem do que estamos falando.
Há celebridades para todo gosto no Brasil. Muitas são simpáticas, carismáticas e possuem os pés no chão, sendo chamadas de celebridades reais. Outras são sofisticadas, esnobes, introvertidas e são vistas como as que possuem vidas perfeitas. Elas estão nos esportes, na moda, no cinema, na literatura, na música, etc. e agora na negritude brasileira. Até aí, nada demais, visto que isso representa mais uma conquista de espaço na luta pela igualdade de oportunidades que o racismo teima em impedir.
O que tem nos chamado atenção é que, no caso das celebridades negras, há uma intencionalidade política das mais perversas no uso delas por parte da elite brasileira. Isto lembra e muito, o ocorrido nos Estados Unidos nas décadas de 70/80, após a luta pelos direitos civis empreendidas pelos movimentos negros norte americanos e que obrigou aquele país a mudar a sua política segregacionista.
No primeiro momento a reação dos supremacistas brancos foi super. violenta, promovendo um verdadeiro massacre no país: os Panteras Negras tiveram inúmeras lideranças mortas e presas, Martin Luther King e Malcom X, foram assassinados, e uma caça as bruxas de tal magnitude que levou a prisão milhares de militantes e ao exílio de figuras como Ângela Davis.
Nesse mesmo período houve uma ascensão nunca vista de “celebridades” negras, nos mais variados campos do business nos EUA, que se apresentavam como frutos do “way of life” americano, onde se tendo talento, força de vontade e dinheiro, tudo se podia, tudo se alcançava. Era como se a questão racial fosse algo individual e que o negro/a sendo rico/a e poderoso/a estaria tudo resolvido.
Cinquenta anos depois, temos a impressão de remake desse filme no Brasil, na linha do que “é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. Celebridades negras estão sendo alçadas à condição de lideranças políticas e servidas como exemplo de sucesso para a comunidade negra, enquanto a maioria dessa população tem sido confinada, discriminada e dizimada nos becos, favelas e prisões do nosso país.
Para nós que estamos calejados na luta, lideranças políticas são aquelas que possuem a capacidade de influenciar, mobilizar, organizar e liderar outras pessoas em defesa de projetos coletivos. A relação entre líderanças e liderados, não se traduz em consumo, mas sim no grau de confiança e respeito que os liderados possuem em relação à liderança, bem como às suas ideias e propostas.
Lideranças políticas produzem legados coletivos, como a Lei 10.639/03. (História da África e Cultura afro-brasileira nas escolas), o Decreto 4887/03 (certificação e titulação de terras remanescentes de quilombos) e a Lei de Cotas (que introduziu milhões de jovens negros no ensino superior brasileiro) e não em números de “likes” nas redes sociais”, ou seja, lideranças políticas constroem bens coletivos e deixa legados coletivos e não fotos esplendorosas em campanhas publicitárias e/ou gordas contas bancárias.