Cena do cotidiano

O racismo à brasileira se perpetua porque foi naturalizado sob a maquiagem barata do 'mal-entendido' ou do 'ato não intencional'

Não há credencial, talento, fama, reconhecimento ou fortuna capazes de blindar uma pessoa negra contra o racismo e o preconceito étnico-racial no Brasil. Há alguns dias, a advogada baiana Vera Lúcia Santana Araújo, ministra substituta do Tribunal Superior Eleitoral, foi barrada ao tentar ingressar no prédio onde funciona a Advocacia-Geral da União para participar de um evento promovido pela AGU, onde seria palestrante.

O que aconteceu com ela ocorre todos os dias com milhões de pessoas pretas e pardas no Brasil e, em geral, “não dá nada” além da humilhação e da dor suportados por uma massa negra. A discriminação contra a ministra Vera Lúcia veio a público e passou a integrar o rol cada vez maior de escândalos de natureza étnico-racial porque ela é uma figura pública —ou seja, não se trata de uma “negra qualquer”.

Ministra substituta do TSE Vera Lúcia Santana na abertura do 12º Encontro Nacional das Escolas Judiciárias Eleitorais no edifício-sede da corte em Brasília – Alejandro Zambrana – 21.mai.25/Secom/TSE

Afinal de contas, o racismo à brasileira se perpetua porque foi naturalizado sob a maquiagem barata do “mal-entendido” ou do “ato não intencional”. Mas estamos falando de um crime inafiançável e imprescritível, previsto na Constituição Federal.

Isso é incontestável.

Recentemente foram divulgados dados de uma pesquisa nacional que mapeou, pela primeira vez, a frequência com que os brasileiros se sentem discriminados no cotidiano. O resultado evidenciou o que qualquer pessoa com um pingo de consciência e senso de percepção da realidade já sabia: raça é o principal fator de discriminação neste país.

A discriminação racial, uma das muitas facetas do racismo, manifesta-se pela imposição de tratamento desigual e injusto a um determinado grupo de pessoas. Tudo por conta de crenças e preconceitos que perpetuam a opressão de uns em favor do privilégio de outros.

Não há desculpa cabível que justifique passar pano para um crime que afeta milhões de cidadãos e, a despeito disso, é naturalizado pelo Estado. Como observou a ministra Vera Lúcia, “o preconceito de cor é uma construção do Estado e o racismo permeia todos os espaços.” Pergunto: Até quando?


Ana Cristina Rosa – Jornalista especializada em comunicação pública e vice-presidente de gestão e parcerias da Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABCPública)

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