Chamada de ‘neguinha’, estudante é barrada em casa noturna em SP

Jovem ainda enfrentou problemas para registrar ofensa racial em duas delegacias; De um PM, ela ouviu: “Você é parda. Negro é aquele que nasce bem escurinho”

Por:  no Ponte

“Essa neguinha não entra aqui hoje!”

Essa foi a ofensa racial que a estudante Thayla Elias Alves, 22 anos, afirma ter sido disparada contra ela por uma hostess (recepcionista) da Villa Mix, no bairro da Vila Olímpia, na zona sul de São Paulo e considerada uma das mais badaladas casas noturnas da cidade.

O incidente aconteceu por volta das 23h45 de 5 de dezembro, uma sexta-feira, quando Thayla, sua prima, a estudante de direito Natália Timossi, e Debora de Castro, foram impedidas de entrar na Villa Mix. O caso é investigado pela Decradi (Delegacia de Repressão aos Crimes Raciais e Delitos de Intolerância), da Polícia Civil de SP.

A alegação da equipe de recepcionistas da Villa Mix para impedir a entrada das jovens foi a de que as identificações delas não constavam em uma lista de convidados, mas as três têm e-mails nos quais está registrado o envio prévio de seus nomes para a inclusão na lista.

De acordo com as jovens, quando apresentaram seus documentos para entrar na Villa Mix, mesmo sem consultar a lista de convidados, uma das hostess da casa noturna disse que elas não constavam na relação de nomes e as três foram retiradas da fila de entrada por um segurança.

Fora da fila, as jovens apresentaram o e-mail enviado com seus nomes à casa noturna a Denis Iugas de Sousa, que se identificou como gerente da Villa Mix, mas ele também impediu o acesso das três jovens à boate.

“Enquanto estávamos esperando a definição sobre nossa liberação ou não, vimos várias pessoas entrando sem que os nomes delas fossem consultados na tal lista”, contou Thayla.

Foi também enquanto esperavam a definição sobre a entrada na Villa Mix que as duas jovens que acompanhavam Thayla ouviram uma das hostess da casa noturna dizer para uma colega de trabalho: “essa neguinha não entra aqui hoje”.

As duas envolvidas no diálogo são brancas, com cerca de 1,70 m de altura e magras. Uma delas, a apontada como a responsável pela ofensa racial contra Thayla, é loira. A outra é morena.

Dificuldade para registrar B.O. 

Logo após a ofensa racial, Thayla, Natália e Debora resolveram ir ao 96º DP (Brooklin), distante 1,2 quilômetro da Villa Mix e onde não havia delegado para registrar o boletim de ocorrência sobre a ofensa racial.

No 96º DP, as três jovens foram mandadas para o 27º DP (Campo Belo), distante 2,2 quilômetro da delegacia do Brooklin. Quando chegaram no segundo distrito policial, Thayla, Natália e Debora ouviram de um investigador da Polícia Civil que deviam voltar à casa noturna e, na porta da Villa Mix, ligar para a Polícia Militar. Foi o que as jovens fizeram.

Thayla afirmou que foi a delegada Eliane Tome F. Lima, plantonista do 27º DP, quem deu a ordem para o que caso não fosse registrado imediatamente e para que as três jovens voltassem à Villa Mix para chamar a PM.

Drible nos PMs

Quando dois PMs chegaram à casa noturna, a hostess que barrou as três jovens entrou na Villa Mix dizendo aos policiais que iria chamar o gerente, Denis de Sousa. Foi essa mesma mulher quem disse a frase para atacar Thayla. Após 20 minutos plantados na porta da casa noturna, os PMs souberam que as hostess haviam ido embora.

Na conversa com os PMs, Denis de Sousa disse que as hostess não eram funcionárias da Villa Mix e, como eram terceirizadas, ele não tinha como fornecer os nomes das profissionais que estavam à porta da casa noturna naquela noite de sexta-feira.

Após serem driblados pelas hostess e por Denis de Sousa, os PMs levaram Thayla, Natália e Debora novamente ao 27º DP, onde um escrivão registrou o boletim de ocorrência de injúria racial. Até a finalização do documento, a delegada Eliane Lima não havia tido contato as três jovens, segundo Thayla.

Somente quando Thayla pediu para assinar o boletim de ocorrência após a chegada de seu advogado, o que aconteceu em cerca de dez minutos, é que adelegada Eliane Lima resolveu falar com a jovem para dizer que não iria esperar. “Eles não queriam me deixar ler o boletim de ocorrência”, disse Thayla.

Quando o advogado de Thayla chegou ao 27º DP, a delegada Eliane Lima já não estava mais na delegacia e, segundo o escrivão, “havia saído para uma diligência”. Ainda no 27º DP, antes de não conseguir assinar o boletim de ocorrência, Thayla enfrentou outra questão envolvendo a cor de sua pele. Ao preencher documento sobre o atendimento feito na porta da Villa Mix, um PM escreveu que a estudante era parda. Ao informar ao PM que é negra, Thayla ouviu dele: “Você é parda. Negro é aquele que nasce bem escurinho”

Do 27º DP, sem o boletim de ocorrência, as três jovens e o advogado foram para a Corregedoria Geral da Polícia Civil, onde registraram queixa pela maneira como foram atendidas na delegacia. Passava das 6h da manhã do sábado (6/12).

Thayla garante que, apesar das dificuldades para que a polícia agisse, ela irá até o fim para que a hostess e a casa noturna Villa Mix sejam responsabilizadas pelo que aconteceu na noite de 5 de dezembro.

“Eu sei que minha luta para não deixar esse ato racista impune poderá contribuir para que outras pessoas não passem pela mesma coisa. Me senti angustiada quando passei por aquilo tudo, mas não vou deixar de ir atrás da lei”

Racismo X Injúria Racial

Atualmente, a Decradi tenta localizar e intimar a hostess da Villa Mix apontada como responsável pela frase racista contra Thayla.

O inquérito policial na Decradi foi aberto para investigar o crime de injúria racial, que é quando a ofensa discriminatória é dirigida a uma pessoa, atacando sua honra, sua autoestima com elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem. Na injúria racial, o autor pode pagar fiança e responder o crime em liberdade.

Thayla acredita que a frase da hostess da Villa Mix foi um crime de racismo, baseado na ofensa discriminatória dirigida a um determinado grupo ou coletividade. Thayla crê ter sido impedida de entrar na casa noturna por ser negra. Racismo é crime imprescritível e inafiançável.

Racismo institucional

Carmen Dora de Freitas Ferreira, presidente da Comissão da Igualdade Racial da OAB –SP (Ordem dos Advogados do Brasil), também crê que a hostess da Villa Mix praticou racismo.

“Ao chamar a moça de neguinha, essa recepcionista ofendeu a raça da jovem. O boletim de ocorrência e o inquérito policial deveriam apurar o crime de racismo. Não podemos mais tolerar que as pessoas sejam excluídas pela cor da pele. Isso é nocivo. Seria injúria racial se a recepcionista tivesse dito alguma ofensa como macaca, preta suja ou algo tão baixo quanto”, explicou a advogada Carmen Ferreira.

Ao analisar a atitude do PM que atendeu ao chamado de Thayla na porta da Villa Mix, quando ele quis descrevê-la como parda e não como negra nos registros da Polícia Militar, a presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB-SP foi direta ao constatar novo ato racista.

“Sabe o que esse policial militar fez contra essa jovem? Ele praticou racismo institucional. E isso também é nocivo”, disse Carmen Ferreira.

Villa Mix nega discriminação racial

De acordo com a assessoria de imprensa da Villa Mix, “por conta da correria do fim de ano”, os responsáveis pela casa noturna não poderiam se manifestar sobre a investigação da Decradi sobre o possível crime de injúria racial contra Thayla.

Em nota, a assessoria de imprensa da Villa Mix informou:

“O Villa Mix adota como política apenas liberar pessoas que estejam com nome na lista e realmente os nomes das três moças não constavam.

Pelo averiguado, não ocorreu qualquer tipo de injúria criminal por parte de qualquer funcionário do Villa Mix, inclusive os clientes são respeitados e bem tratados para que retornem ao estabelecimento.

Foi conversado com a hostess, ela afirmou que não cometeu qualquer tipo de ofensa racial. Pelo contrário. Ela tratou as clientes educadamente, entretanto, as clientes ficaram indignadas que os nomes não estavam na lista e a casa já estava atingindo a lotação máxima.”

Secretário da Segurança Púbica não se manifesta

Procurado desde quarta feira (17/12) pela reportagem para se manifestar sobre os problemas enfrentados por Thayla para registrar na polícia a ofensa racial que sofreu, o secretário da Segurança Pública de São Paulo, Fernando Grella Vieira, respondeu a apenas uma das sete questões enviadas à assessoria de imprensa da pasta.

Grella Vieira não respondeu as seguintes questões:

1º – Por qual motivo Thayla não pôde registrar boletim de ocorrência no 96º DP? Onde estava a autoridade policial responsável pelo plantão do 96º DP?

2º – Por qual motivo a delegada Eliane Lima ordenou que Thayla voltasse à casa noturna onde foi ofendida para acionar a PM? Esse é um procedimento padrão da Polícia Civil de SP?

3º – Qual o número da apuração preliminar aberta na Corregedoria Geral da Polícia Civil de SP para investigar a conduta da delegada Eliane Lima? A delegada já foi ouvida pela Corregedoria? O que ela afirmou, caso tenha sido interrogada? Solicito, por favor, que a Secretaria da Segurança Pública viabilize entrevista com a delegada.

4º – Por qual motivo os policiais militares que foram à casa noturna não conduziram a recepcionista que ofendeu Thayla para o 27º DP?

5º – Em caso de possível crime de racismo ou de injúria racial, qual é a orientação que o senhor dá para as vítimas? Como o secretário da Segurança Pública de São Paulo determina que as vítimas de racismo ou injúria racial ajam para ter seus direitos preservados?

6º – Quantas pessoas foram presas em flagrante por racismo no Estado de São Paulo neste ano?

Por meio de sua assessoria de imprensa, Grella Vieira só respondeu ao questionamento da reportagem sobre quantos boletins de ocorrência foram registrados por injúria racial e por racismo, em 2013 e neste ano, no Estado de São Paulo.

Segundo levantamento da Decradi, em 2013, foram registrados 36 boletins de ocorrência por injúria racial e outros 15 por discriminação/preconceito. Neste ano, de janeiro até 2 de setembro, foram 38 por injúria racial e 16 por discriminação/preconceito.

Grella Vieira não informou o total de casos registrados no Estado de São Paulo nas delegacias que não são especializadas como a Decradi.

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