Cineasta que diz ter tido calças abaixadas quer propor projeto à PM

Por: Diego Assis

Rodrigo Felha, que registrou queixa no sábado, falou ao G1 em Cannes.
Diretor está na França participando do lançamento do filme ‘5 x favela’.


O cineasta carioca Rodrigo Felha, que disse ter sido deixado de cueca em uma revista da Unidade de Polícia Pacificadora da Cidade de Deus, Zona Oeste do Rio, no último sábado (15), afirmou que pretende transformar o episódio em “algo positivo” e “transformador”.

 

Em conversa com o G1 nesta terça (18) em Cannes, onde participa do festival de cinema com o filme “5 x favela – agora por nós mesmos”, Felha disse que a Cufa (Central Única das Favelas) já entrou em contato com o governo do estado do Rio de Janeiro para pedir uma reunião em que serão apresentadas propostas de um projeto de conscientização dos policiais.

 

Ainda segundo Felha, o projeto está sendo elaborado em parceria com o rapper MV Bill e o líder local Celso Athayde. A ideia é que “os policiais que estão sendo formados agora para trabalhar como pacificadores façam antes um curso nas favelas, diretamente com os moradores”, revelou. As aulas, afirma, seriam ministradas por ele e possivalmente pelo policial contra quem ele diz ter registrado queixa por constrangimento ilegal.

 

“O soldado vai ser punido? Vai. O assunto morre? Não. Acho que a gente tem que formar alguma coisa positiva com isso”, disse. “Lamento muito pelo episódio, vim para cá muito triste, mas graças a toda essa força que estão me dando aqui, já estou conseguindo pensar só em Cannes e esqueci lá por enquanto.”

 

Humilhação
Na queixa registrada no último domingo, pouco antes de embarcar para Cannes, Felha afirmou que foi humilhado por um soldado, quando saía de casa, no sábado, por volta das 23h. O assistente de direção Fernando Barcellos, que estava com Felha na hora e também trabalha no filme, contou que o PM não pediu identificação e puxou as calças dos dois, deixando-os de cuecas.

 

“Ele sequer perguntou meu nome, sequer perguntou do meu trabalho ou onde eu morava. Foi só ‘mão na parede’, e minha calça, que é de tac-tel e elástico, foi abaixando”, lembrou o cineasta.

 

“Precisamos pensar em um projeto para esses policiais com o intuito de ensiná-los a valorizar seja um estudante, um desempregado ou até mesmo um viciado. O tratamento não pode ser diferenciado”, reclamou Felha. “Fico imaginado se [o PM] já fez isso com 10, 15 ou outras 50 pessoas e ninguém nunca falou nada. Isso aconteceu comigo e eu denunciei. A denúncia é boa tanto para as comunidades quanto para os policiais. A polícia está entrando para acertar a favela a partir do ponto de vista deles, mas acho que chegou a hora de a favela consertar eles também”, concluiu.

 

Morador da Cidade de Deus
Morador da Cidade de Deus, Felha, 30 anos, trabalhou como coordenador do Curso de Audiovisual da Cufa e foi um dos produtores do documentário premiado “Falcão, meninos do tráfico”, sobre o envolvimento de menores no crime organizado dos morros do Rio.

 

Em “Cinco vezes favela”, coletânea de curtas produzida por Cacá Diegues, Felha participa como codiretor da história “Arroz com feijão”, assinada em parceria com Cacau Amaral. O filme acompanha as tentativas de Wesley e Orelha, dois meninos da favela, para tentar juntar R$ 5 para que Wesley consiga comprar um frango assado e surpreender o pai com uma janta diferente.

 

Felha espera que o filme e sua própria trajetória como diretor de cinema ajude a abrir os olhos das futuras gerações. “Quantas crianças que estão me vendo agora e se perguntando: posso ser um jogador de futebol? Posso. Posso ser músico? Posso, olha aí o MV Bill. Posso ser ator? Pode, olha aí a galera do Afro Reggae, do Nós do Morro. Posso ser cineasta? Posso também, tem a turma do Rodrigo Felha e do Vidigal, que estão lá em Cannes”, disse.”É uma responsabilidade grande e boa de se ter.”


Polícia
O major Ronaldo Martins, assessor da Polícia Militar, afirmou que qualquer tipo de ajuda é de bom de grado para a corporação. Segundo Martins, a proposta do cineasta, quando formalizada, será analisada pelo comando da PM para saber se será incluída no currículo de formação dos novos policiais.

 

Sobre o caso em si, o major explicou que não se pode fazer pré-julgamentos e espera a conclusão do inquérito policial para emitir opinião.

 

Contactada, a Polícia Civil não soube informar como andam as investigações sobre o caso.

 

 

Fonte:  G1

 

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