Cláudia Laitano – Criolo

Por Cláudia Laitano

O politicamente correto esteve em pauta com alguma frequência ao longo do ano que passou – da divulgação de cartas com ideias racistas de Monteiro Lobato à repercussão de piadas sobre temas como mulheres grávidas ou doentes mentais. Nessas discussões, sempre aparece alguém para reclamar que o mundo ficou mais chato, que as pessoas estão mais caretas e andam com mania de controlar o direito que cada um tem de se expressar do jeito que lhe dá na telha e coisa e tal.

Há nesse discurso, me parece, uma curiosa nostalgia pela inocência perdida. Como se fosse possível empurrar certas palavras ou atitudes de volta ao tempo em que eram tão naturais quanto o cigarrinho de chocolate. Não vai acontecer. Todos vamos ter que aprender a viver em um mundo mais complexo e dinâmico – inclusive aqueles que confundem conservadorismo e preconceito escancarado com ousadia intelectual. As palavras têm, sim, peso, medida e extensão.

Isso vale para tudo na arena da opinião pública, do humorístico à propaganda de lingerie, do texto no jornal ao programa ao vivo, do discurso político ao sermão religioso. Não se trata de proibir ou de fazer censura prévia, obviamente, mas de lidar com a responsabilidade que temos em relação aos nossos atos e palavras. Para complicar, tudo o que dizemos pode ser encontrado na internet e é passível de reprodução, interpretação, distorção. É Google ou mosteiro no Tibete.

O racismo de Monteiro Lobato deve ser analisado, claro, dentro de sua época e circunstâncias. Pode ser criticado, inclusive, mas não como se ele tivesse sido contemporâneo de Barack Obama. Já quem vai hoje para a TV fazer piada ofensiva, engraçada ou não, tem que estar preparado para responder pelo que diz, ao invés de ficar lamentando a ausência de um habeas corpus preventivo ou culpando a patrulha do politicamente correto – que, em muitas situações, tem funcionado como uma espécie de salvaguarda civilizatória, ali onde faltou educação para a tolerância ou grandeza humana para respeitar a diferença (sim, porque são raros os que fazem piada sobre as próprias circunstâncias).

As visões divergentes sobre o que é ou não adequado, cada vez mais comuns, talvez demonstrem que o Brasil está sendo sacudido por uma pequena, mas promissora, crise de identidade. Quem somos?

Do que achamos graça? O que não nos parece mais tolerável? Nessa arena de pequenas decisões morais cotidianas, em que todos eventualmente somos chamados a nos posicionar, o rapper Criolo, uma das grandes revelações musicais do ano, deu uma aula de atitude na semana passada ao recusar-se a embarcar em uma piada boba sobre a sexualidade do cantor Freddy Mercury em um programa de TV – desconcertando o apresentador e passando o recado de que o preconceito disfarçado de humor inconsequente já não cola tão fácil.

Uns dirão que ele é produto da patrulha do politicamente correto, outros que é um jovem corajoso e inteligente que está usando a fama ao invés de ser usado por ela. Eu, que já gostava do cantor, virei ainda mais fã do cara.

Veja matérias de assuntos tratados no texto: 

Criolo e as lições contra homofobia

 Dossiê Monteiro Lobato

Wanessa Camargo quebra o silêncio e fala sobre Rafinha Bastos

Sakamoto – O politicamente incorreto só é errado quando atinge os ricos – Rafinha Bastos

 

 

 

 

Fonte: Conteúdo Livre

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