Código não será perfeito, diz Dilma aos movimentos sociais

A presidente Dilma Rousseff se reuniu com movimentos sociais em Porto Alegre (RS), durante o Fórum Social Temático 2012. Na pauta, assuntos polêmicos como reforma agrária, matança dos povos indígenas, Belo Monte, MP557 das Mulheres, reintegração de posse em Pinheirinho e Código Florestal. “Não será, adianto pra vocês aqui, o sonho dos ruralistas. Não será também um código ambiental perfeito”, afirmou Dilma.

Participaram da reunião, que aconteceu na quinta-feira (26), no Hotel San Rafael, 70 entidades nacionais, internacionais, do campo e da cidade, além de intelectuais brasileiros e latinos. Acompanhando a presidente estavam ministros do Meio ambiente, dos Direitos humanos, Agricultura, da Secretaria geral da Presidência e o assessor de assuntos internacionais (Marco Aurélio Garcia).

Segundo o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (TST), que divulgou parte das transcrições, os representantes das entidades tiveram a palavra inicialmente. Durante todo o tempo, a presidente Dilma ouviu e fez anotações. Ao final, falou aos presentes pontuando as questões levantadas pelos movimentos.

João Pedro Stedile, do MST, iniciou sua participação cumprimentando-a “por ter escolhido Porto Alegre e não Davos”. “A senhora parece ser realmente corajosa”, disse. Em seguida, destacou seis pontos da agenda nacional, do governo e movimentos, “que precisa ser resolvida”.

Além disso, mencionou o fato da paralisação da reforma agrária e que há 180 mil famílias acampadas nas beiras das estradas. “O Brasil só pode liderar um processo internacional de defesa do nosso planeta, da nossa biodiversidade, se nós dermos o exemplo”, argumentou Stedile, referindo-se à Conferência Rio+20, da ONU, que acontece em junho no país.

A primeira questão levantada por ele foram as mudanças feitas, no Senado, no Código Florestal, em discussão no Congresso Nacional. Stedile mencionou que será feita uma mobilização para que “o povo brasileiro lhe escreva para pedir o veto de alguns artigos que a senhora mesmo se comprometeu [a vetar] durante a campanha.”

“Nós não podemos aceitar a anistia dos crimes ambientais dos latifundiários, assim como não aceitamos a redução da reserva legal, mesmo nos quatro módulos. Porque isso abre brecha para o capital internacional seguir desmatando o Cerrado e a Amazônia. A nossa política – esperamos que a senhora concorde – é do desmatamento zero. Não há necessidade de derrubarmos mais nenhuma árvore para seguirmos aumentando a produção de alimentos, inclusive em condições muito melhores.”

Os outros pontos levantados por Stedile foram: reflorestamento para a agricultura familiar, controlado pelas mulheres; um programa nacional que estimule a agroecologia, sem uso de agrotóxico que contribui para uma maior incidência de câncer; assentamentos no Nordeste utilizando uma área irrigada de 200 mil hectares anunciada pelo Ministério da Integração Nacional; direcionar os 700 milhões do Fundo Amazônia, dados por governos estrangeiros, para recuperar a floresta. Segundo ele, só 10% foi aplicado e o restante do dinheiro está parado no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

“Por último, nós não podemos fazer uma conferência de meio ambiente e os nossos irmãos guarani-kaiowa continuam morrendo. Isso é uma dívida de honra. Nós não podemos aceitar que o agronegócio continue matando os povos indígenas que são os verdadeiros zeladores da nossa biodiversidade e do território. Então se a senhora só resolver os problemas dos guarani-kaiowá no Mato Grosso do Sul já vai pro céu. Agora, se não resolver isso, não adianta falar em biodiversidade, assinar documento. E a mesma coisa com as comunidades quilombolas. Faz dois anos que o Incra não legaliza nenhuma área quilombola. É a maior dívida social que nós temos, o país foi construído com trabalho escravo, e agora não consegue reconhecer uma área? Nós temos que recuperar a legalização das terras quilombolas”, finalizou Stedile.

O empresário Oded grajew, co-criador do Fórum Social, presidente emérito do instituto Ethos e coordenador geral da Rede Nossa São Paulo, considerou a Rio+20 uma oportunidade única para o Brasil assumir uma liderança mundial, não econômica apenas, mas ética. “Nós sabemos que as regras [da ONU] são que os acordos que vão sair são por consenso. Mas é uma oportunidade de dizer: ‘nós estamos fazendo isso’, e constranger aqueles que não estão fazendo”, afirmou Grajew, para quem o país ainda tem que aparar arestas, como as mudanças do código.

O economista português Boaventura de Souza santos, economia da Universidade de Coimbra, defendeu, entre outras coisas, que reforma agrária integra a agenda ambiental. “Sei que a senhora presidente é muito preocupada com a eficiência do Estado, mas é preciso dialogar mais para tratar do tema. E, ao contrário do companheiro João Pedro Stedile, quero dizer que a reforma agrária faz parte de uma agenda ambiental. A reforma agrária e a regularização fundiária das terras quilombolas são partes importantes. Sou muito ligado às lutas quilombolas neste país, e uma coisa é igualdade racial e outra é luta contra o racismo.

Boaventura lembrou que os movimentos sociais são a base de sustentação dos governos progressistas na América Latina e que alguns deles são criminalizados, como o que “aconteceu no Pinheirinho”. O economista fez uma crítica a postura “sub-imperial” assumida pelo Brasil na América Latina. “É o que a gente ouve na Bolivia e no Equador, é o que ouço em Moçambique. Tenha cuidado, senhora presidente, porque eu penso que o Brasil deve seguir a lógica da democracia emancipatória”, concluiu.

Lilian Celiberti, da Coordenadora das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (Coica), no Uruguai, cobrou o comprometimento dos governos progressistas eleitos nos países latinos: “Temos o direito e a história para exigir de nossos governantes que respeitem a voz que representa estas lutas históricas dos nossos povos. Esse diálogo, que é sobre coisas concretas, é um diálogo onde haverão diferenças, mas essas diferenças nós vamos expressar nas ruas, que são nosso território de luta”.

A líder indígena também questionou o posicionamento dos governos na América Latina. “Os governos que elegemos, que fazem parte de uma tradição de luta do movimento popular da nossa região, podem ser uma ponta de lança na transformação social? Pode ser que barrem a privatização do ar, do solo, da terra? Quais são as esperanças que podemos ter em nossos governos e nessa agenda concreta? Porque há um contexto e há uma prática, e não estamos mais vivendo declarações, mas caminhos concretos de justiça que pressupõem políticas redistributivas, mas também reconhecimento”, falou Lilian Celiberti, citando o reconhecimento dos territórios indígenas e quilombolas.

Presidente Dilma

A presidente Dilma Roussef lembrou a todos que representa um projeto, em andamento desde a eleição do presidente Lula, que tem entre seus desafios o da redução da desigualdade social. Fez questão de resgatar o passado recente do Brasil que, ao contrario do que acontece hoje na Europa, teve sua experiência neoliberal muito cedo, levando o país a praticamente 20 anos de estagnação, onde a receita era o ajuste fiscal que hoje praticam lá na Europa.

“Então, nessa situação, nós não nos julgamos nem um pouco ameaçados por qualquer volta do neoliberalismo. Esse povo aqui está vacinado. Não só porque sofreu; porque começou a ganhar. Porque se você olhar qualquer país do mundo, dos desenvolvidos e dos emergentes, um dos países que reduziu a sua desigualdade social foi esse. Na última estatística disponível, tirou 40 milhões da pobreza”, declarou Dilma, que recordou que o país mantinha uma prática de não distribuição de renda resultando em péssima qualidade dos serviços públicos.

A presidente colocou as diferenças entre governo e movimento, chamando a atenção para o fato de que desenvolvimento sustentável não se alcança sem reduzir a desigualdade. “Pra nós e muito significativo. Essa é uma ambição que explica um pouco o que é a nossa diferença em relação a visões que vocês e a ONU chamam de economia verde. Pra nós não há possibilidade de desenvolvimento sustentável sem redução da desigualdade social”, disse.

Ela explicou que tamanha é a desigualdade brasileira, que não é possível se contentar com a tese, defendida por muitos, de pleno emprego e crescimento econômico.

“Num país desigual como esse, você tem que crescer a mais para poder distribuir renda. Porque senhores, nós tratamos de questões práticas. Eu tenho que distribuir renda. Tem 190 milhões que nós não podemos deixar na situação que estão. Não são só negros, quilombolas, indígenas. Oitenta e cinco por cento da população se declarou oriunda da raça negra”, explicou Dilma Rousseff, reconhecendo a importância do movimento de negros e negras.

A presidente declarou que o governo não está fazendo uma política “de faixas sociais”, mas sim de “fazer, de fato, com que este país tenha capacidade de ter um nível de desenvolvimento que lhe permita distribuir riqueza. Que gere emprego suficiente. E que ao mesmo tempo garanta, através de políticas sociais comprometidas, distribuir renda. E por distribuição de renda nós entendemos educação de qualidade, porque educação de baixa qualidade é excludente. Porque saúde de baixa qualidade é excludente”, definiu ela.

Reforma agrária e moradia

Com relação à questão da moradia, Dilma defendeu o subsídio como ferramenta. “Nós voltamos a fazer abertamente uma coisa que o neoliberalismo proíbe: o subsídio. O Estado faz escancaradamente, e se vangloria disso, subsídio. Para que se possa ter moradia decente neste país. E não faz política sem considerar grandes números. Temos que fazer para 2,4 milhões de famílias. Então nós temos de fato uma política nesse âmbito.”

Para falar sobre reforma agrária, Dilma Rousseff mandou seu recado aos movimentos. Disse concordar com o Stedile, que é necessário a gente retomar a reforma agrária num ritmo eficaz, mas que não vai aceitar que o nível dos assentamentos seja baixo, da maneira como está hoje.

“Quando nós tratarmos do Brasil sem Miséria, eu quero assentamentos decentes neste país. Eu não quero ninguém vivendo em condições sub-humanas como ocorre nos assentamentos. Eu faço absoluta questão de que a reforma agrária aqui seja de qualidade. Eu quero produtores, eu quero pessoas vivendo da sua renda. Porque nós sabemos que nós temos, da época do neoliberalismo, uma reforma agrária que deixa extremamente a desejar. Queremos mudar isso porque faz parte da política de elevação social da população. Não basta de jeito nenhum fazer transferência de renda. Você tem que ter condições de sobreviver de forma decente com a sua família”, explicou.

Mudança climática

Com relação à agenda ambiental especificamente, Dilma frisou que “o país foi um dos poucos que foi sério na questão da mudança do clima. Eu estive me Kopenhagen, eu sei como era a discussão entre os Estados. Se a China não está comprometida com tanto, bastiões da defesa ambiental não fazem reduções de 30% da emissão de gases de efeito estufa. Fazem 20%, senão perdem competitividade. Nós assumimos a redução voluntária de 36 a 39%. Nós somos um dos poucos países que não tem matriz energética fóssil. Todos eles têm problemas. Vendem aos países africanos, por exemplo, que é importante ter energia solar. Energia solar é caríssima. Fazer isso num país africano é crime. Vendem porque suas empresas controlam a energia solar ou eólica, quando alguns deles podem perfeitamente explorar a hidroeletricidade”.

Com relação à postura imperial, apontada por Boaventura, Dilma descordou veementemente. “Eu discordo que o Brasil teve, em relação aos outros países, uma atitude imperial. Eu acho que a fala do meu companheiro Mujica, que o Brasil não tem culpa de ser tão grande e o Uruguai, de ser tão pequeno, é uma fala perfeita. A lucidez de um líder como o Mujica justifica que ele tenha dito que nós temos de completar nossas cadeias produtivas. O presidente Chavez diz que ela era instruido de que o programa Calha Norte era pra que a gente tomasse conta da Amazônia. Eu acho que a América Latina passa por uma situação diferenciada. Cada país com seu momento político, enfrentando seus desafios. Mas a América Latina mudou”, falou.

Código Florestal

“Acho que nós temos tido sim uma política ambiental. Nós temos de resolver todas as contradições do Código Florestal. Eu passei por um processo duro de negociação quando estava na câmara. Acredito que nós vamos ter de construir uma solução consensual. Não será, adianto pra vocês aqui, o sonhos dos ruralistas. Não será também um código ambiental perfeito”, pontuou a presidente brasileira.

“Eu concordo com o Stedile que é importante o exemplo. Mas é importante explicar como, é importante um projeto que fala das coisas que queremos mudar radicalmente”, rebateu a presidente ao representante dos movimentos da zona rural.

Dilma Rousseff comparou a situação do Brasil, onde o neoliberalismo foi até um certo ponto, mas não tirar todos os direitos, com a Europa, que passa hoje por um processo muito mais perverso do que a América Latina passou. “Porque a Europa teve conquistas sociais, chegaram a ficar ricos. Ainda são ricos. Mas a distribuição da riqueza se tornou completamente perversa. As pessoas que estão desempregadas”, explicou ela.

Cúpula dos Povos

Dilma ressaltou a importância de discutir um outro paradigma durante a Rio+20, mas de maneira paralela. “Eu não acredito que dê pra ser dentro do Fórum governamental um outro paradigma anti-capitalista. Não dura 5 segundos. Agora, eu acredito que a sociedade civil pode sempre estar um pouco além. Então vocês discutam os novos paradigmas, se vocês quiserem, anti-capitalistas”, falou a governante.

Ela completou o raciocínio sobre o paradigma anti-capitalista, abordando o papel dos governos: “Nenhum país fará isso. Nenhum país. Nem-um-único! Porque não pode fazer isso. Não pode porque nós temos uma coisa terrível: todos os governantes temos o compromisso de entregar a coisa amanhã. Não é daqui há 10 anos. O meu governo tem que entregar amanhã, tem que ter eficiência sim. Se antes os serviços privados eram pra classe média-alta, e os serviços públicos pro povão mais pobre, hoje, quando nós conseguimos constituir uma nova classe média, nós temos obrigação de ser eficiente. E não é tecnocrata, é política. Porque a minha população tem direito de abrir a boca”.

Pinheirinho

Dilma voltou a afirmar que a desocupação da área em São José dos Campos, no interior de São Paulo, não foi uma ação política ou policial, mas sim uma barbárie.

“Nós temos uma trajetória que uma parte substantiva se deve ao metalúrgico que veio lá do Nordeste, Luis Inácio Lula da Silva, que me deu um legado. O meu legado é o seguinte: eu tenho que dar qualidade ao povo. Tenho que entregar ao povo serviços públicos de qualidade. Nós todos aqui criamos os que vão reivindicar. Todos tem o direito de reivindicar. Por isso Pinheirinho está errado. O que leva alguém a retirar com tanta ânsia 1.700 famílias de uma área que é parte de uma massa falida do Naji Nahas, me intrigou muito”, disse Dilma.

Ao encerrar sua participação no encontro ponderando que é natural que governo e movimentos tenha visões diferentes. ” Finalizando, agradeço a atenção de vocês e quero dizer o seguinte: é normal que as visões sejam diferentes. Vocês são movimentos sociais e eu sou governo. Tem que ser assim mesmo, ta certo assim” terminou a presidente.

 

 

 

Fonte: Vermelho

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