“Com a criminalização da homofobia, muitos crimes não ficarão impunes”, diz MV Bill

O cantor carioca de rap, MV Bill, 35, surpreendeu muita gente quando, no dia 17 de dezembro de 2008, foi publicado no site “Não Homofobia” uma declaração sua em defesa da criminalização da homofobia e pela liberdade da manifestação gay. Também no site da Central Única das Favelas (CUFA), organização fundada pelo cantor, há um tópico onde a entidade questiona se não é a hora de o movimento hip hop abraçar a causa gay.

MV Bill ganhou as manchetes dos grandes meios de comunicação quando, em 1999, se apresentou no extinto Free Jazz Festival – atual Tim Festival – portando uma arma falsa em sua cintura. Na época, ele disse à imprensa que se tratava de um manifesto contra a violência.

As polêmicas em torno do cantor não parariam por aí. Sempre contundente em suas composições, quis também levar suas críticas ao vídeo. Deu o primeiro passo ao fazer o clipe “Soldado do morro” (2000), no qual menores eram retratados trabalhando para o tráfico. O vídeo foi proibido, pois a justiça alegou que o referido trabalho fazia apologia ao crime. Em 2006, voltaria a chamar a atenção da mídia e da sociedade com seu documentário e livro, Falcão: meninos do tráfico, realizado em parceria com Celso Athayde.

Agora, a defesa pública dos direitos homossexuais. Na entrevista a seguir, MV Bill não vacila e faz críticas ao movimento que ele muito admira, o hip hop. “A gente [do hip hop] combate preconceitos, mas temos alguns parceiros que enxergam a homossexualidade de forma homofóbica. É como se a gente estivesse praticando e reproduzindo um sentimento preconceituoso que combatemos a vida inteira”, aponta o cantor.

Confira a conversa a seguir.

O mundo do hip hop está preparado para receber os gays?

O mundo do hip hop me causa fascinação pela possibilidade e capacidade de questionar algumas coisas que estão erradas na sociedade. Porém, o próprio hip hop precisa sofrer uma série de revisões de conceitos. Ao mesmo tempo em que combatemos preconceitos, temos alguns parceiros que enxergam a homossexualidade de forma homofóbica. É como se a gente estivesse praticando e reproduzindo um sentimento preconceituoso que a combatemos a vida inteira.

Por que você apoia a criminalização da homofobia?

É uma forma de fazer com que os preconceituosos e homofóbicos mostrem suas caras. Com a criminalização, muitos crimes não poderão ficar impunes ou passar desapercebidos. É uma forma de punir quem está praticando preconceito. Essa prática pode disfarçar uma coisa muito maior e não só o preconceito por conta da opção (sic) sexual, mas também pode ter o racial envolvido, e o social, dependendo do local que a pessoa more. Tornar crime não deveria servir para educar. Seria uma forma de mais opções serem respeitadas, mas, como a educação não é o forte do nosso país, então, talvez criminalizar pode fazer com que as pessoas pelo menos respeitem. Respeito já seria um grande passo.

Colegas seus fazem piadas ou brincam contigo por conta do seu posicionamento pró-gay?
Tem alguns que até gostariam, mas, como eu tenho 1,95m, malho todos dos dias, o pessoal fica um pouco tímido de fazer esse tipo de piada. Eu já fiz no passado, mas depois que aprendi a respeitar as diferenças e as opções, nunca mais brinquei dessa forma e não permiti mais que pessoas fizessem brincadeiras perto de mim. Cada um faz o que quer, mas não comigo. Eu até fiquei surpreso, porque defendi essas opiniões publicamente e não ouvi opiniões contrárias não. Acredito que a ficha da galera está começando a cair, está havendo essa quebra de paradigmas.

Alguns setores do movimento gay defendem que a comunidade vote em gays. Qual a sua opinião desse tipo de posição?
Essa é a mesma opinião de que as pessoas devem votar em preto, de que índio deve votar em índio. A gente tem histórico de que nem sempre a pessoa pertencente a um mesmo grupo ou a mesma raça tem um compromisso com a causa. Acredito que independente da cor, da opção sexual, da classe social, tem que votar em quem tem as melhores propostas, em quem está melhor preparado. Geralmente, quem está no meio, teoricamente, deveria estar mais embasado pra cuidar das causas e nem sempre isso acontece. Então, sugiro as pessoas que continuem ouvindo as propostas e analisando qual o candidato que é menos distante e mais próximo.

Você tem intenção de migrar para o mundo da política?
Não. Já recebi convite, mas hoje eu não penso nisso. Prefiro contribuir de forma apartidária e poder falar livremente com um site sem fins eleitoreiros, como acontece com a maioria de políticos envolvidos com algumas causas. Não tenho nenhuma pretensão política, pelo menos nesse momento. Não abraço as causas de acordo com a polêmica e com os votos que ela pode me trazer. Pelo contrário, tenho abraçado causas de coração.

Como você observa os políticos religiosos que vão ao plenário criminalizar os homossexuais?
Vivem no século retrasado. Precisamos de uma renovação política, para que venham novos políticos, novas questões, e quebrem um pouco desse conservadorismo hipócrita e demagogo que existe dentro de algumas categorias políticas e de alguns partidos políticos.
O Brasil precisa de uma nova política de representatividade dentro do nosso nicho, e também de novos rumos para se usar melhor o dinheiro público. Este poder não pode estar na mão de pessoas que criminalizam opções sexuais diferentes.

Qual é a sua opinião sobre a participação do governador do Rio de Janeiro, Sergio Cabral, na Parada Gay?
Eu vejo a participação política como importante. Primeiro, porque dá visibilidade, ajuda a tirar da marginalidade. Porém, a Parada é só um acontecimento. Ela é quase uma festa e a questão gay no Brasil precisa de continuidade. Além da Parada, é preciso um comprometimento maior.

Dentro do projeto de vocês, de tirar os meninos do tráfico, há também um trabalho para que estes mesmos meninos não discriminem homossexuais?
A gente tem a CUFA (Central Única das Favelas)… Eu não sei devido a que, mas de uns tempos pra cá, houve uma libertação sexual muito grande dentro da favela, jovens começaram a perder o medo de mostrar sua opção sexual. Nós temos a política na CUFA de não discriminar ninguém, ao mesmo tempo a gente tem trocado ideia com os jovens sobre a importância de se desprover de qualquer tipo de preconceito para ser um ser humano melhor no dia-a-dia. Há cerca de dois meses, fiz um trabalho com um grupo de jovens, eles não conseguiam se integrar com os outros e eu percebi isso quando cheguei lá. 80% deles eram homossexuais, tinham consciência em relação ao uso da camisinha, já tinham convicção do que queriam da vida. Outros já queriam viajar para Espanha, um queria ser bailarino, mas faltava uma única coisa: conseguir se integrar ao resto da instituição e, aos poucos, isso foi acontecendo com muita troca de ideia. Primeiro tivemos que recuperar a autoestima do jovem que é gay. Depois, o trabalho é com os héteros, que tem que aprender a conviver com aquele jovem de maneira igual.

Você disse que no passado tinha outro pensamento. O que te levou a mudar o ponto de vista?
Eu não tinha um pensamento diferente a ponto de ser o oposto do que sou hoje, não era um homofóbico. Por exemplo, se chegasse alguém e fizesse uma piada ou algum comentário preconceituoso sobre gay, eu jamais defenderia ou falaria alguma coisa. Comecei a marcar a minha posição quando fui a São Paulo fazer um show na Praça da República. Era comemoração da Consciência Negra. Aí, quando a van estava chegando perto do palco, aquela histeria das pessoas querendo falar comigo, chegou um cara de boné enterrado até os olhos, bateu no vidro e perguntou se podia falar comigo. Abri a janela do carro, e ele me perguntou: ‘MV Bill, que tu acha da entrada do homossexual no hip hop?’ Disse para ele que não sabia, e falei ‘por quê?’, ele então me respondeu: ‘ah, porque sou homossexual, gosto de hip hop, sou preto, sou de favela e também acho que o hip hop é um tipo de música que me daria oportunidade de falar como pobre e homossexual’. Aquilo me fez passar um filme, uma reflexão, sobre tudo que a gente luta enquanto membro da cultura hip hop. Vi que deveríamos agregar mais aquela luta.

Você fala dessa mudança. O presidente da CUFA é homossexual, né?
Sim. Mudanças significativas dentro da CUFA. Nós lançamos o livro “Mulheres no tráfico”, que fez com que a gente revisse a questão de gênero e trouxéssemos mais mulheres para a instituição. E a questão da homossexualidade, trazendo o Danilo (presidente da CUFA), não somente para ser politicamente correto, mas pelos méritos dele também.

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