Comentários sobre a Convenção Interamericana contra toda forma de discriminação e intolerância. – Rodnei Jericó Silva

Foi aprovada na XLII Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos – OEA, em Antigua, Guatemala, a Convenção Interamericana Contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância, após mais de 10 anos de discussões.

Necessário salientar o trabalho árduo feito por diversas organizações afrodescendentes da sociedade civil de todo o continente americano no fortalecimento do sistema de proteção dos direitos humanos, sobretudo dos direitos da população afro. É certo que a Convenção trata de temas correlatos, bem como de outras minorias marginalizadas, mas é fruto do trabalho de organizações afro, que nasceu de maneira mais aguda em Santiago 2000.

Sempre tive a preocupação de ser o mais didático possível, e como o presente comentário não é voltado apenas para operadores de direito, creio ser importante conceituar o que é uma convenção e como deve ser aplicada.

Convenção –A prática internacional registra o uso livre dos diversos sinônimos da palavra “tratado” – convenção, acordo, protocolo etc. A rigor, do ponto de vista jurídico, tais nomes importam pouco e não são aplicados de maneira coerente. Existe, porém, em alguns casos, o hábito, nem sempre seguido, de se atribuir a certos tratados nomes específicos, como por exemplo:

• convenção: costuma ser multilateral, dela participa uma número considerável de países/estados.

Um tratado/convenção internacional é um acordo resultante da convergência das vontades de dois ou mais sujeitos de direito internacional, formalizada num texto escrito, com o objetivo de produzir efeitos jurídicos no plano internacional. Em outras palavras, o tratado/convenção é um meio pelo qual sujeitos de direito internacional – principalmente os Estados nacionais e as organizações internacionais – estipulam direitos e obrigações entre si.

Neste sentido, passemos aos comentários sobre a Convenção aprovada.

Devemos destacar que da primeira proposta de projeto de convenção, enviada pelo Brasil, que ficou a cargo do grupo de trabalho que deu inicio as discussões entre os estados membros, tinha em seu titulo a terminologia “racismo” e foi retirado ao longo dos debates dentro do grupo de trabalho, sob a alegação, à epoca, de que a terminologia racismo restringiria a aplicabildade, bem como seria dificil a aprovação por maoria dos Estados membros, dado que a população afro no continente americano não se trata de minoria e ainda o racismo muito embora seja praticado de forma mais forte e evidente em face de pessoas negras, pode e é exercido em face de outras etnias.

Ainda durante as discussões, outros tinham o entendimento de que a terminologia não seria adequada, pois a discriminação sócio-econômica teria um papel muto mais forte na marginalização de populações do que apenas a cor da pele. Tomando de empréstimo frase do Prof. Dr. Quince Duncan, de Costa Rica, “As pessoas no senso comum pensam que o racismo e a pobreza estão dissociados; na verdade a pobreza tem origem no racismo”.

Assim no Capítulo I, artigo primeiro a Convenção afirma que:

“Discriminação é qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência, em qualquer ambito público ou privado, que tenha o objetivo ou o efeito de anular ou limitar o reconhecimento, gozo ou exercicio, em condições de igualdade, de um ou mais direitos humanos ou liberdades fundamentais consgrados nosinstrumentos internacionais aplicaveis aos Estados membros.

A discriminação, pode estar baseada em motivos de nacionalidade, idade, sexo, orientação sexual, identidade e expressão de gênero, idioma, religião, identidade cultural, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem social, posição socieoeconomica, nivel de educação, condição migratória, de refugiado, repatriado, apátrida ou migrante doméstico, portador de alguma deficiencia, caracterisrtica genética, condição de saúde mental ou fisica, incluindo infectocontagiosa, psiquica, incapacitante ou qualquer outra”.

Como observamos da leitura convenção, o conceito é abrangente, descrevendo categoricamente procedimentos e ou atos que possam se enquadrar quanto a condutas discriminatórias. Traz ainda no Capítulo II o principio da isonomia de tratamento aos moldes de nosso artigo 5º da Constituição Federal, de que todos são iguais perante a lei.

Um dos pontos que consideramos importantes na convenção é o artigo 5º que compromete aos Estados partes (leia-se aos que assinarem e ratificarem este artigo), adotar politicas especiais ou ações afirmativas para garantir o gozo a direitos e liberdades fundamentais.

Outro ponto importante a salientar é a necessidade dos Estados reconhecerem a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, pois assim podem, em não cumprindo ao que assinaram e rafificaram, serem cobrados pela Corte sua omissão ou ação que viole os direitos nela dispostos.

A Convenção ratifica ainda mecanismos de procedimentos dentro do sistema interamericano, replicando a forma de denunciar Estados membros por violações aos direitos nela descritos, assim como quanto aos procedimentos de assinatura, ratificação e adesão, onde poderão serem feitas reservas a qualquer momento.

Todavia o ponto mais importante é quanto a participação da sociedade civil, dado que a Convenção estabalece em seu capítulo IV letra “iv” a conformação de uma Comitê Interamericano para Prevenção e Eliminação do Racismo e da Discriminação, do qual cada Estado parte nomeará um representante.

Assim, se faz importante e necessário, a sociedade civil passe a monitorar este processo, pois a Convenção, depois do largo processo até sua aprovação, com a participação efetiva da sociedade civil tornou-se realidade, mas este é só o começo; agora que temos que fazer com que o sistema funcione, denunciando e fazendo uso dos instrumentos que temos.

Desta forma, vemos com bons olhos a aprovação da Convenção, pois gera um efeito regional importante na luta de combate ao racismo e obriga aos Estados partes da Convenção cumprirem o que dela se abstrai.

Fazendo um paralelo com a Declaração de Durban, onde percebemos similaridades em alguns pontos, muito embora em outros esteja mais afeta à Carta de Santiago 2000, a grande diferença é o fato dela ter um carater vinculante, ou seja, obriga aos Estados partes da Convenção a realizarem o que nela está descrito, ao passo que na declaração é meramente uma carta de intenções.

Rodnei Jericó Silva – advogado

Coordenador do SOS Racismo

Geledes – Instituto da Mulher Negra

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