Como será o dia seguinte à redução da maioridade penal?

O que vai acontecer tão logo o Congresso Nacional aprove a redução da maioridade penal para 16 anos?

Foto: Flávio Florido

Por Leonardo Sakamoto, do Blog do Sakamoto 

Vamos nos enrolar em nosso cobertor de ignorância e hipocrisia e sair quentinho pelas ruas achando que estamos seguros.

Problemas estruturais precisam de soluções estruturais e não medidas pontuais. Não é simplesmente punindo o jovem em desacordo com a lei, mas também criando condições para que ele não caia nas graças da criminalidade.

Caso contrário, o problema se reorganiza após a mudança da lei. Por exemplo, trazendo jovens de 15 anos para fazerem parte de roubos e serem culpados pelos crimes. E, assim, sobrevive.

Quem ganha com isso? Políticos, comunicadores e falsos profetas que oferecem gratuitamente o discurso do medo, viciando a sociedade, que depois ficará ansiosa para comprar as soluções simplistas que prometem paz e tranquilidade.

Soluções vendidas, aliás, por esses mesmos atores sociais, ao custo de “votem em mim”, “assistam ao meu programa”, “venham à minha igreja”.

Desse ponto de vista, qual a diferença entre alguns dos membros dessa Santíssima Trindade do Medo e aqueles que usam jovens para cometer crimes, uma vez que ambos os grupos lucram horrores com a exploração da violência?

Há jovens que não têm nada a perder porque nada tiveram. E os que podem perder muito mas, sinceramente, não se importam, porque nós não nos importamos como eles quando deveríamos.

E há, é claro, os casos patológicos, cuja prevenção é difícil ou mesmo impossível. Ou alguém acha que um maluco que abre fogo contra uma igreja em nome da supremacia branca, como aconteceu nos Estados Unidos, ou alguém massacra crianças de uma escola, como ocorreu em Realengo, no Rio de Janeiro, pensa na punição que vai sofrer?

Tenho medo de indivíduos que assaltam, roubam e matam, mas também tenho medo de uma sociedade maníaca que não fala, apenas rosna diante do desconhecido. Pois essa sociedade cisma em não se diferenciar de seus ancestrais que tacavam pedras no escuro porque temiam a noite.

Em momentos de emoção extrema, buscamos soluções simples para diminuir a perplexidade, saídas para preencher a falta de sentido e tapar o buraco deixado pela perda individual ou coletiva.

O problema é que elas não são úteis para resolver problemas estruturais, nem mesmo para contribuir com os processos simbólicos de luto e cura. Ajudam, contudo, naquela sede de vingança que carregamos desde sempre.

Por que não elevar a pena para quem se associa a jovens com menos de 18 anos para cometer crimes? Porque precisamos de sangue desses jovens.

São nos momentos de emoção extrema que nossa racionalidade é colocada à prova. Ou seja, que somos chamados a provar que deixamos de ser uma horda tresloucada que segue um único instinto, o medo.

A sensação de insegurança pode levar à raiva, à vingança e à mais violência.

Ou a uma reflexão que gere mudanças estruturais possíveis, mas difíceis, como garantir uma vida melhor para a juventude no Brasil, evitando assim o problema antes dele acontecer.

O que escolheremos? O que veremos no espelho no dia seguinte?

+ sobre o tema

“Feliciano é o porta-voz do retrocesso”, diz Jean Wyllys

Em oposição à presença do pastor Marco Feliciano...

Desenrola para MEI e micro e pequenas empresas começa nesta segunda

Os bancos começam a oferecer, a partir desta segunda-feira...

Estudante implode bomba semiótica do Enem

  Sem querer o estudante da USP que...

Descriminalizar o aborto no Brasil pela vida das mulheres (por Laura Sito e Misiara Oliveira)

Que os ventos Argentinos nos inspirem pra luta Por Laura Sito...

para lembrar

Sociedade Brasileira de Mastologia cobra campanhas para aumentar mamografias

O Brasil tem número suficiente de mamógrafos. Apesar disso,...

Dados preliminares mostram que 64% dos recuperados de covid têm sintomas persistentes

Resultados preliminares de uma pesquisa com pacientes recuperados de...

Zulu Araújo comandará a Pedro Calmon

O futuro presidente da Fundação Pedro Calmon será o...

Mulheres perderam mais emprego na pandemia do que homens, diz IBGE

A participação feminina no mercado de trabalho atingiu o menor nível...
spot_imgspot_img

ONU acolhe propostas de Geledés em registro oficial da 69ª CSW

Nesta segunda-feira, 10 de março, ocorreu a abertura da 69ª Sessão da Comissão sobre a Situação da Mulher, na sede da Organização das Nações...

Carta da presidência da COP30 não cita racismo ambiental e afrodescendentes

A Carta da presidência da COP30 enviada à comunidade internacional nesta segunda-feira, 10 de março, pelo presidente da COP30, o brasileiro André Corrêa do...

Mais de 2 mil mulheres foram libertadas do trabalho escravo desde 2003

AOS 62 ANOS, Cida* trabalhava como cozinheira em uma frente de desmatamento de floresta nativa em uma fazenda em Pimenta Bueno (RO). Durante seis meses,...
-+=