Munduruku leva batalha épica por direitos indígenas às Nações Unidas

Em Genebra, Ademir Kaba denuncia falta de consulta e violações de direitos territoriais pelo governo brasileiro em corrida para construir hidrelétricas na Amazônia

No Racismo Ambiental 

Genebra, Suíça – Num evento paralelo à 29ª Reunião do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, que aconteceu na tarde desta quarta, 24, o líder indígena Ademir Kaba Munduruku denunciou o agravamento de abusos de direitos indígenas pelo governo brasileiro na sua corrida para construir uma quantidade sem precedentes de hidrelétricas na Amazônia. Grande parte de sua crítica teve como enfoque as repetidas violações dos direitos dos povos indígenas a processos de consulta e consentimento livre, prévio e informado sobre barragens que teriam consequências devastadoras para seus territórios e meios de vida.

Ademir também condenou a recusa do governo brasileiro de demarcar um território Munduruku conhecido como Sawre Muybu, que sofreria inundações pela mega-barragem São Luiz do Tapajós. As exigências do líder Munduruku foram reforçadas por uma sentença da justiça federal emitida na semana passada que ordena a administração da presidente Dilma Rousseff a abster-se de emitir uma licença ambiental para o empreendimento na ausência de consulta prévia com os povos indígenas e outras comunidades ameaçadas.

Em seu depoimento, Ademir Kaba destacou a determinação do povo Munduruku em defender incondicionalmente seus direitos e meios de vida frente às ameaças de barragens. Comunidade indígena mais numerosa na bacia do rio Tapajós, os Munduruku têm organizado uma série de protestos de alta visibilidade contra abusos de seus direitos pelo governo, incluindo uma ocupação da polêmica hidrelétrica de Belo Monte em 2013.

Em janeiro de 2015, os Munduruku entregaram ao governo federal um protocolo descrevendo como deve ser realizado um processo culturalmente apropriado de consulta prévia, tal como consagrado pela Constituição Brasileira e pela Convenção 169 da OIT.

“Nós viemos para as Nações Unidas para enfatizar a obrigação do nosso governo de cumprir com a Convenção 169 da OIT, um acordo respeitado por muitos países que nunca foi colocado em prática no Brasil”, afirmou Ademir Kaba. “Exigimos um diálogo sincero e transparente sobre estes projetos de barragens, sem mentiras e enganos. Esta consulta deve respeitar o nosso direito de decidir e nosso poder de vetar projetos que impactam territórios indígenas e ribeirinhos “.

O evento realizado hoje em Genebra, intitulado “Barragens e Consulta Indígena: propostas concretas para deter violações de direitos na Amazônia brasileira” também contou a presença do Procurador da República Felício Pontes Jr., do Ministério Público Federal no Estado do Pará. Pontes criticou tanto a falta de consultas prévia como a utilização de um mecanismo jurídico conhecido como “Suspensão de Segurança” que permite aos presidentes de tribunais, a pedido do governo, suspender indefinidamente decisões judiciais em favor dos direitos dos povos indígenas, com base em alegações de supostas ameaças à segurança nacional.

“Estamos demonstrando que o MPF não está negligenciando a defesa dos povos indígenas da Amazônia”, afirmou Felício Pontes. “As dezenas de ações que temos ajuizado demonstram que o governo brasileiro está violando os direitos indígenas, inclusive através do uso indiscriminado de um instrumento jurídico da época da ditadura militar, chamado Suspensão de Segurança.”

Na decisão que proíbe a concessão de licenças ambientais para a barragem de São Luiz do Tapajós até que os povos indígenas sejam consultados, o Juiz Federal Ilan Presser afirmou: “Não se pode ignorar a assertiva de que a vontade da Convenção 169 da OIT, e do artigo 231 da Constituição é de, a partir do exercício do direito de consulta, seja permitida a preservação e fomento do multiculturalismo; e não a produção de um assimilacionismo e integracionismo, de matriz colonialista, impostos pela vontade da cultura dominante em detrimento dos modos de criar, fazer e viver dos povos indígenas, que corre o grave risco de culminar em um etnocídio”.

Bianca Jagger, defensora de longa data dos direitos dos povos indígenas da Amazônia, e fundadora e Presidente da Fundação Bianca Jagger de Direitos Humanos, encerrou o evento de hoje em Genebra, afirmando:

“Estou aqui hoje para apoiar o povo Munduruku, representado por Ademir Kaba, e as outras comunidades amazônicas. Conclamo o governo da presidente Dilma Rousseff a cumprir com as obrigações do Brasil no âmbito da Convenção 169 da OIT e da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, garantindo processos de consulta e consentimento livre, prévio e informado entre todos os povos indígenas e comunidades tradicionais, cujos meios de vida e culturas seriam irreparavelmente afetados por esses empreendimentos “.

Antes do evento de hoje, uma coalizão de entidades civis brasileiras e internacionais, incluindo France Libertés (Fondation Danielle Mitterrand), apresentou uma declaração à Assembleia Geral da ONU, solicitando ao governo brasileiro o respeito pelos direitos indígenas e garantias da independência do judiciário. A declaração detalha a ausência de consulta prévia no caso de Belo Monte e barragens na bacia do Tapajós, em contraste com as determinações da Constituição Federal e a Convenção 169 da OIT, enquanto a Suspensão de Segurança tem permitido que as obras prossigam, apesar destas violações.

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