Me compadeço

Respeitar o medo do outro foi uma conquista da minha vida adulta. Na infância lembro de uma cena, no Posto 6 de Copacabana, em que zombei do meu primo Walter. Bastava a água bater em seus joelhos para ele se encher de paúra. Eu, que me achava corajosa, ria na cara dele. Depois a vida – sempre ela – se encarregou de desvelar os meus próprios medos. Alguns tão ferozes que amarelaram minha alma. Entre eles, sofri por alguns anos do pavor de aviões. Uma vez, convidada a um festival de Vídeo em Brasília, declinei da passagem aérea, paga pela organização, para amargar cerca de quatorze horas dentro de um ônibus. Decrépito, sacolejante, quente. 

Por Fernanda Pompeu Do Yahoo

Também tive a síndrome do pânico. Não podia pegar trens de metrô, pois parecia que ia sufocar. Não conseguia entrar em filas, particularmente as de agências bancárias, parecia que eu ia desfalecer. Nessa época, gastei uma fortuna em táxis. Como ainda não existiam caixas eletrônicos, implorava a corações amigos que pagassem contas e descontassem cheques para mim. Curada do medo de voar e da síndrome do pânico – que assim como surgiram do nada, desapareceram – tive medo de morrer de câncer. Foi detectado um pólipo na minha bexiga e depois de retirado fui submetida a três anos de monitoramento. Assim, por 36 meses, vivi com a dúvida. Até o dia que o doutor me deu alta, ou eu decidi que ele havia me dado alta, e comemorei com um sorvete La Basque. Isso foi há quinze anos. 

Mas resolvidos esses medos tangíveis, ainda me debato com os pânicos de fundo. O pior deles, o da perda de pessoas amadas. O medo monstro que experimentei quando percebi que meu pai estava morrendo. O tremor que sinto a cada aniversário da minha mãe, quando ela vai inexoravelmente envelhecendo. O do meu próprio envelhecimento e a visão aguda de que eu também me aproximo aothe end. A percepção afiada de que o meu passado é bem mais extenso do que o meu futuro.

Não desnudo meus pavores por nenhum mórbido exibicionismo, apenas para registrar o quanto, hoje, eu respeito o medo das pessoas com quem encontro formal ou intimamente. Ao me relacionar com elas quero saber de suas necessidades, realizações, sonhos. Mas, principalmente, tento apreender quais são os seus temores. Isso expande minha compreensão e empatia. Pois, no cardápio dos medos, os diferentes se tornam mais iguais.

+ sobre o tema

Tribunais dizem que Trump não é rei

Na política ninguém renuncia ao poder voluntariamente. Essa premissa...

Musk sugere anistia para policial que matou George Floyd

O bilionário Elon Musk sugeriu repesar a condenação da...

Redução da jornada de trabalho ajudaria quebrar armadilha da baixa produtividade?

Exemplos de países desenvolvidos não dizem muito sobre qual seria...

A escalada das denúncias de quem trabalha sob calor extremo: ‘Imagina como ficam os trabalhadores soldando tanques’

Na segunda-feira (17/2), enquanto os termômetros de São Paulo batiam...

para lembrar

Salvador, 475 anos: por que cidade foi escolhida para ser 1ª capital do Brasil

Porque era preciso defender a terra, cobiçada por outros...

Dilma mantém popularidade em alta e é aprovada por 67% dos brasileiros

Pesquisa CNI/Ibope mostra que, para 48%, governo da presidente...

Sociedade deve reprovar qualquer tipo de ato contra qualquer grupo, diz Luiza Bairros

Qualquer tipo de ato de discriminação contra qualquer...

Após massacre, Obama vai apoiar lei para proibir armas nos EUA

Presidente deve agir 'nas próximas semanas', disse porta-voz. Atirador matou...

Governo divulga ações para lideranças religiosas de matriz africana

O Ministério da Igualdade Racial (MIR) apresentou para lideranças religiosas do Rio de Janeiro, nesta quarta-feira (15), a Política Nacional para Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro...

O Congo está em guerra, e seu celular tem a ver com isso

A Guerra do Congo é o conflito mais mortal desde a Segunda Guerra Mundial, mas recebe bem menos atenção do que deveria —especialmente se comparada às guerras...

Debate da escala 6X1 reflete o trabalho em um país de herança escravista

A deputada Erika Hilton (PSOL-SP) protocolou na Câmara dos Deputados, nesta terça-feira (25), o texto da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que quer colocar fim à...
-+=