Congresso quer obrigar os pais a verem os filhos

Fonte: Folha de São Paulo

Projetos de lei preveem indenização por dano moral decorrente do abandono afetivo

Proposta no Senado quer que seja crime punível com detenção de até seis meses deixar de prestar assistência moral ao filho menor

Por Johanna Nublat

“E o meu papai?” é a pergunta que M.S., 3, faz à mãe quando vê outras crianças acompanhadas do pai. Junia, a mãe, desconversa por enquanto, mas diz que em breve vai contar ao menino que, apesar de o pai pagar a pensão alimentícia todos os meses e morar na mesma cidade, não quer ver o filho.

O caso de M. se enquadra no que se chama abandono afetivo, quando um dos genitores dá suporte material, mas não moral. Situações como essa já levaram filhos a cobrar dos pais indenização por danos morais.
Ainda são raros os casos em que ações assim foram bem sucedidas, pois, além de não haver expressa previsão em lei, os juízes costumam cair na seguinte questão: não é possível obrigar ninguém a amar.

Entrando na polêmica, parlamentares analisam pelo menos dois projetos de lei que acrescentam na lei a possibilidade da cobrança da indenização pelo dano moral decorrente do abandono afetivo.

Uma das propostas, do deputado Carlos Bezerra (PMDB-MT), recebeu parecer pela aprovação na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara na última semana.

Além de instituir a reparação pelo abandono moral, outro projeto, do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), diz que deixar de prestar assistência moral ao filho menor sem justa causa é crime punível com detenção de até seis meses.

Juridicamente, a indenização se sustenta, desde que comprovado prejuízo ao filho, diz a advogada Vanessa Viafore.
“Começa por abuso de poder. O convívio do filho com o pai não é só direito do pai, é dever. Assim, o pai interfere na esfera do direito do filho”, diz.

Para ela, por mais que a presença seja indesejada pelo pai o filho terá a figura paterna como referência.

Crivella vai em linha similar. “A presença física é uma forma de compensar o que deveria ser um gesto voluntário de amor.

Justamente por não haver amor, a lei é necessária.”

O advogado Leonardo Castro discorda dos argumentos e diz que esse “amor compulsório é pior que a ausência”.

Ele afirma ser contra a aplicação da indenização por danos morais em casos de abandono afetivo -com exceção de casos limites-, pois ela funciona mais para afastar pai e filho que para aproximá-los.

E lembra que já existe na lei vigente uma punição para os pais ausentes: a destituição do poder família, ou seja, dos direitos sobre o filho.

A primeira ação de que se tem notícia que buscou uma reparação pelo abandono afetivo no país ficou famosa em 2005, quando o STJ (Superior Tribunal de Justiça) negou a indenização. A ação, de Minas Gerais, enfrenta seu último recurso no STF (Supremo Tribunal Federal), que já disse que essa matéria não seria constitucional e, por isso, não caberia ao Supremo julgá-la.

 

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Mães e filhos adiam processo contra pais

Rejeitado desde a gravidez da mãe, carioca de 39 anos só decidiu entrar na Justiça há nove, quando seu filho nasceu

Já Júlio Cézar Mota, 29, afirma que nem pensa entrar com pedido de indenização porque soube lidar com a ausência do pai

M. ainda é pequeno para avaliar a falta do pai. Nem mesmo a mãe dele sabe dizer se o filho vai carregar pela vida algum trauma pelo abandono afetivo sofrido, pelo menos até aqui.

“É aniversário dele agora em novembro e nada. Como pode, né? Será que o pai dele não pensa que o filho dele pode estar precisando de alguém, de alguma coisa?”, diz Junia.

Ela afirma conhecer a possibilidade de entrar na Justiça com ações por danos morais por causa do abandono, mas diz que é cedo para pensar nisso.

O pai de M., que não quis se identificar, diz que o fim do relacionamento foi muito complicado e que ele se distanciou para evitar brigar com a mãe do menino, mas que pretende entrar em contato quando o filho estiver maior.

Alguns dos casos em disputa judicial por indenização só tiveram início depois dos 30 anos do então filho abandonado moralmente pelo pai.

Essa é a história de um carioca de 39 anos, que não quer ser identificado. Rejeitado pelo pai desde a gravidez da mãe, só decidiu entrar com a ação depois de se tornar pai, há nove anos.

Ele diz que passou por situações difíceis e, como o pequeno M., nunca recebeu uma ligação no aniversário ou Natal.

“É difícil compreender uma pessoa que sempre ganhou bem e não faz questão de pagar uma mensalidade do colégio do filho, que não dá presente, não liga”, afirma.

Por tudo o que passou, diz que conta com a vitória na Justiça. Como responder à pergunta: é possível obrigar alguém a amar? “Se a pessoa não pode amar o filho, para continuar na condição de ser humano, tem que agir pelo menos com contornos de amor: prestar uma assistência mínima que seja para a pessoa”, diz ele.

Afinidade

Júlio Cézar Mota, 29, que nem carrega na certidão o nome do pai, também afirma não ter tido nenhuma assistência paterna.

No caso dele, diz, não caberia uma indenização, pois ele soube lidar bem com a distância voluntária do pai.

“Ele fez falta na infância, penso que ter um pai seria totalmente diferente, para o bem ou para o mal. Depois, ele me procurou, queria ter alguma afinidade, carinho, mas não tem como. Hoje, não vai fazer diferença ele querer dar alguma opinião”, diz ele. (JN)


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Pai precisa ser presente, dizem psicólogos

A falta de interesse do pai não causa problemas apenas nos casos clássicos de abandono afetivo. Morar na mesma casa e não acompanhar o desenvolvimento dos filhos pode ser tão prejudicial quanto, dizem especialistas consultados pela reportagem.

 

“A presença tem que ser de participação, de uma existência na vida do filho. Além de servir de modelo e modelo de futuro pai que aquele filho vai ser, ele tem que acompanhar, orientar, estar presente na educação familiar”, afirma Iolete Ribeiro da Silva, integrante do Conselho Federal de Psicologia e professora da UFAM (Universidade Federal do Amazonas).

 

Espírito ausente

Um pai distante pode ser pior que um pai morto, diz o psicólogo e terapeuta familiar Edson Assis.

“Um dos grandes problemas hoje é que os pais não conseguem cumprir a função paterna. Muitas vezes, estão presentes fisicamente, mas ausentes de espírito”, afirma ele.

Problemas de relacionamento, falta de limites e envolvimento com crimes são algumas das possíveis consequências do filho que se sente rejeitado pelo pai, diz Assis.

Não são todas as situações de abandono parental, porém, que geram traumas na criança, de acordo com Silva.

“Não é algo que se possa generalizar. Para muitos, é sentida como uma falta muito forte, mas há situações em que a pessoa consegue identificar outras pessoas que ocupam o lugar que seria do pai, como um tio.” (JN)

 

 

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