“O Parlamento é uma grande escola”
Por Rodrigo Garcia, Do São Paulo.sp.leg
*entrevista feita em 2016
A primeira vereadora negra do Município conta suas lutas, vitórias e frustrações
Com um nome raro (“Era pra eu me chamar Teodora, mas papai achou muito pesado para uma criança e escolheu este”), Theodosina Rosário Ribeiro nasceu quando as mulheres ainda não tinham conquistado todos os seus direitos. E, em suas várias décadas de vida (ela pediu que sua idade não fosse revelada), foi professora, diretora de escola, advogada, a primeira mulher negra a ser eleita vereadora na cidade de São Paulo e também deputada estadual, pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
Hoje, Theodosina não exerce mais cargo público, mas continua atuando politicamente, principalmente dando palestras sobre a importância da atividade política. Ela também é membro da Comissão da Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo.
“Ser professora tinha status, era considerada uma autoridade”
Filha do capitão da Força Pública José Ignácio do Rosário e da dona de casa Rosa Rosário, Theodosina nasceu em Barretos, interior de São Paulo, estudou
Letras na Universidade de Mogi das Cruzes e veio ser professora em São Paulo, onde também se tornou diretora de escola. Na capital, ela também se formou em Direito. Em 1968, começou sua vida eleitoral. Foi eleita vereadora, sendo a segunda mais votada da cidade. Em 1970, elegeu-se para a Assembleia Legislativa, onde ficou até 1983.
Viúva há quatro anos, com um filho e dois netos adultos (“Não vejo a hora de ser bisavó, tomara que Deus me dê esta graça”), atualmente Theodosina divide seu tempo entre os exercícios de musculação e o computador, no qual está escrevendo um livro de memórias. Ela também vai a muitos eventos da comunidade negra,
que a admira e reconhece sua importância na luta política dos afrobrasileiros. Nesta entrevista que concedeu à Revista do Parlamento Paulistano, a ex–vereadora e ex-deputada lembrou várias fases de sua vida.
“Negro precisa se preparar para vencer na vida”
E fez um apelo aos colegas: “Seria bom se mais professores seguissem a carreira política, já que eles têm uma boa noção da realidade do País”.
Qual a importância de sua família em sua luta política?
Theodosina Rosário Ribeiro: Na minha família eu sempre tive exemplos de esforço e de política. Meu pai, sendo militar, era muito politizado, apesar de nunca ter exercido cargo público. Ele era getulista e ademarista [apoiador de Getúlio Vargas (1882-1954) e do ex-governador de São Paulo Ademar de Barros (1901-1969)]. Ele também nos passou um amor ao esforço e à educação, dedicação. Tanto que minha irmã, Maria de Lourdes do Rosário, foi a primeira professora negra da cidade de Pirassununga. Meu marido também me deu muito apoio quando eu resolvi ser candidata em 1968. E nas outras eleições também.
Como foi a experiência da senhora como educadora?
Theodosina: Foi excelente. Eu ensinava todas as matérias no primário e depois passei a ensinar história no ensino médio. Fiz concurso e me tornei diretora, que considero um cargo político, já que as diretoras fazem muita política, no bom sentido da palavra “política”. Na minha época, os diretores de escola lutavam muito para que o professorado tivesse melhores condições de trabalho. Ser professora tinha status, era considerada uma autoridade. Ganhávamos bem e nos esforçávamos. Havia até a figura do “marido da professora” que era aquele homem que vivia à custa do trabalho da mulher.
“Fui parlamentar em tempos arbitrários”
Como foi sua atuação na Câmara Municipal e na Assembleia Legislativa?
Theodosina: Fui parlamentar em tempos arbitrários, nos quais os vereadores e deputados pouco podiam fazer. Mesmo assim, participei de muitas comissões,
sempre preocupada com as questões sociais, como a situação das mulheres e dos negros. Principalmente da mulher negra, já que ela sofre preconceito por ser mulher e por ser negra. E ganha menos do que os homens e menos do que as mulheres brancas.
“O racismo no Brasil é muito maior do que nos Estados Unidos”
A senhora já sofreu preconceito?
Theodosina: Explícito, não. O racismo no Brasil é velado, mas é muito maior do que nos Estados Unidos, que já elegeram um presidente negro, Barack Obama.
O que a senhora acha das cotas para negros entrarem nas universidades?
Theodosina: Sou totalmente a favor. O País tem uma dívida histórica enorme com os negros, que após a “abolição” – essa abolição deve vir entre aspas – da escravatura foram abandonados. E a experiência da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde os alunos cotistas estão indo muito bem, prova que essa é uma iniciativa que dá certo. O negro precisa se preparar para vencer na vida.
Atualmente, qual é a sua atividade política?
Theodosina: Minha fase de cargos eletivos passou, então eu dou palestras para jovens, principalmente para mulheres negras, sobre a importância da mobilização política e social. A mulher tem mais sensibilidade do que o homem; ela deveria participar mais da política. Os negros precisam mostrar que não estão presentes apenas nos dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), nos quais somos 53% da população brasileira. Os negros, e as mulheres negras em
especial, têm de ocupar todos os espaços na sociedade. As coisas estão melhorando. Já vemos engenheiras negras, médicas negras, advogadas negras.
Como a senhora se posiciona ideologicamente?
Theodosina: A divisão entre esquerda e direita mudou muito com a queda do Muro de Berlim e do comunismo soviético. Prefiro dizer que sou uma democrata, contra o populismo barato e contra o radicalismo. Acredito numa democracia plena, respeitando os valores sociais, principalmente os inseridos na Constituição; que todos os homens são iguais perante a lei.
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