Uma empresa criada por mulheres negras pensada para negras e minorias. Esta é a proposta da InfoPreta, primeira empresa de reparos e serviços tecnológicos que conta apenas com mulheres negras, LGBT, transexuais e travestis no Brasil. no HuffPost Brasil Para você, pode não significar muita coisa. Mas, acredite, significa muito. A área de Tecnologia da Informação é majoritariamente masculina e heterossexual. Mesmo empresas que, vira e mexe, levantam a bandeira para a diversidade ainda têm problemas quando o assunto é diversificar a etnia, gênero e orientação sexual de seus funcionários. Na sede do Facebook, na Califórnia, Estados Unidos, 33% dos funcionários são mulheres e apenas 2% são negros. No Google, cerca de 30% são mulheres e também 2% são negros. Mulheres negras, então, os números caem ainda mais. Aqui no Brasil, uma mulher negra ganha 60% que um homem branco. De acordo com o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), em 2015, a média salarial dos homens brancos era de R$ 2.509,7, enquanto a mulher negra, atrás da mulher branca e homem negro, ganhou uma média de R$ 1.027,5. “Agora imagine as oportunidades de emprego de uma mulher negra e homossexual”, questionou a fundadora do InfoPreta, Bruna D’Angelo, mais conhecida como Buh. Desde os 16 anos, Buh coleciona diplomas técnicos. É formada nos cursos técnicos de eletrônica, automação industrial, manutenção, tecnologia da informação e robótica. Conseguiu bolsa integral em uma universidade, também na área de TI, mas acabou desistindo por causa do preconceito. “Fui bolsista e me f*di”, disse, sem rodeios. “Chegava lá e os alunos não me incluíam em nada. Os professores precisavam mandar algum grupo me escolher. Das 70 pessoas da classe, apenas cinco eram negras e ainda dois não se identificavam como negros”, disse ao HuffPost Brasil. “Preferi prezar pela minha saúde mental.” Apesar de ter experiência e boa formação, Buh constatou que não se encaixava no “mercado de trabalho tradicional”. Mulher, negra, homossexual e com déficit de atenção, a guarulhense diz ter se cansado de sofrer preconceito por ser quem realmente é e decidiu fundar sua própria empresa, com uma diversidade real. “As empresas falam que aceitam a diversidade, mas a diversidades dele é o ‘padrão’: pessoas brancas, hétero e homens. A InfoPreta foi criada para combater esse padrão da sociedade, porque se for analisar as pessoas que trabalham lá, ninguém é padrão. O máximo de padrão é a Mônica [designer e programadora], que é meio amarela”, brincou. Hoje, as oito pessoas que trabalham na empresa são minorias: mulheres, negras, homossexuais, trans, travestis e algumas têm transtornos. Além da Buh, que sofre com o déficit de atenção, outras colaboradoras têm dislexia. “A gente preza pela identificação negra, os traços e a cultura. Todas as pessoas negras que trabalham lá têm cabelo natural, tentam usar maquiagem da nossa cor — que é difícil”, disse.
A gente sempre tenta mostrar que não é porque você é negro, você não tem competência. A gente quer mudar isso: trabalho de preto é de qualidade. E a coisa de preto é feito com respeito.
E este não é o único diferencial da InfoPreta. A empresa também tem a proposta de falar de tecnologia e reparos técnicos com a mulher de igual para igual, sem usar termos técnicos ou desmerecer a consumidora. Criada em 2013, a empresa ganhou novas áreas e expandiu o pessoal: além da assistência técnica, atua na área de programação, desenvolvimento de aplicativos e também é agência digital. Hoje, há gestoras de conteúdo, designers, programadoras, técnicas, consultoras de marketing, desenvolvedoras, entre outras funções. “E falaram pra mim que a fama ia durar seis meses. Agora estamos há quase quatro anos, graças a Deus”, acrescentou Buh.
Projetos e reconhecimento
Um dos projetos mais reconhecido e que faturou um prêmio internacional foi o Note Solidário, projeto social criado pela Buh que incentiva a doação de computadores para negros e pobres que cursam faculdade de Exatas e não têm condições de comprar um computador. A empresa recolhe computadores que foram descartados, consertam e doam para universitários, na maioria, bolsistas negras que são mães. Em troca, os alunos contemplados precisam comprovar a frequência, mandar boletins e a matrícula do curso a cada semestre. “Não só só doa as máquinas, a gente faz uma grande restauração e os reparos são personalizados com o curso que a pessoa estuda. A gente dá preferência às mães negras e bolsistas, já que elas têm pouco dinheiro para as despesas do curso”, afirmou a empreendedora, acrescentando que o projeto já chegou a 40 brasileiros de todas as regiões do País. O projeto rendeu uma premiação promovida pelo G20 em Berlim, na Alemanha, em um evento sobre inclusão da mulher na tecnologia. A InfoPreta ficou em terceiro lugar da premiação e Buh foi em abril para Berlim palestrar sobre a empresa.
E ainda conheceu a primeira-ministra alemã, Angela Merkel. O novo projeto da InfoPreta é um aplicativo para o coletivo Espaço Marciana. O aplicativo é um mapa colaborativo que monitora espaços públicos, como praças e parques, para crianças. “A maioria deles fica no centro. Esse app é colaborativo e feito para pessoas que moram na periferia”, complementou Buh.
Tempos modernos, mas nem tanto
Buh e sua equipe esteve na sede do Google em São Paulo, na última terça-feira (22) onde palestraram no Mind the Gap, evento global do Google que incentiva estudantes do ensino médio a seguirem carreiras de Exatas. Sem papas na língua, ela criticou a “falsa diversidade” das empresas e afirmou que a luta contra o racismo e machismo é diária. “Acho que sofremos mais pelo racismo do que pelo machismo”, disse. “Uma pessoa branca que chega na empresa e vê que nossa rotina de trabalho é tranquila, já acha que seu trabalho não é de qualidade.” Apesar de a empresa já ter nascido — e ganhado fama mundo afora por enaltecer negros e minorias –, Buh diz que ainda enfrentam resistência dos próprios clientes. “Até hoje, pessoas chegam no trabalho e procuram uma pessoa branca para reafirmar o que estou fazendo. Sempre. Aí, às vezes, tem que ser rude né? Porque eu canso. As pessoas não respeitam.” Sobre o futuro, Buh se limitou a dizer que já seria ótimo agregar mais pessoas. Para ela, quem trabalha na InfoPreta é colaborador e faz parte de uma “grande família”, que cuida um do outro. “É bonito de ver… Hoje sustentamos famílias e elas sentem orgulho de nós. Uma coisa que meus pais me ensinaram é: se você cresce, todo mundo ao seu redor tem que crescer também. Eu podia estar no Google sozinha, mas chamei as três que mais participam para estarem comigo.”
Na InfoPreta, todo mundo tem que crescer, se desenvolver. Cada uma delas adotei em um momento da vida.