“As fronteiras do 20 de novembro deve se estender pelos 365 dias do ano”
Anualmente, o 20 de novembro reaviva o debate acerca da consciência negra e deve-se à recusa de grande parcela da população brasileira em desapegar-se do já ultrapassado conceito de democracia racial tão bem consolidado pelo polímata Gilberto Freyre em seu mais famoso livro, o Casa Grande e Senzala.
Os dados socioeconômicos e culturais referentes à população negra brasileira escancaram o imenso abismo social existente entre brancos e negros no Brasil, evidenciando a falácia da democracia racial. Tal contexto fortalece a necessidade da “Consciência Negra”.
A Consciência Negra à qual me refiro é aquela que extrapola as fronteiras do mês de novembro e estende-se pelos 365 dias do ano. É reconhecer que 54% da população brasileira é negra e, portanto, somos um país negro. É questionar-se o porquê de, mesmo sendo maioria, ainda estarmos invisibilizados nas universidades, na política, nos espaços de poder e de decisão.
Consciência Negra é, diante desses fatos, ter, cotidianamente, práticas antirracistas. É reconhecer a necessidade de ações afirmativas para reparar o legado escravocrata. Questões estas, desconsideradas pelos defensores da “Consciência Humana”.
O acirramento da tensão racial em nosso país se reflete nos crescentes casos de genocídio e suicídio de jovens negros; no aumento da violência contra as comunidades tradicionais de matrizes africanas, e no adoecimento da população negra que ainda anseia por reparação.
Diante desse contexto de desesperança, deparo-me com um homem negro, poeta, advogado, militante, que mesmo lidando com essas questões há 90 anos, caminha com vigor, lucidez e sorriso na alma. Esse homem chama-se Carlos de Assumpção.
Nosso encontro se deu no sábado (11) no Sarau das Pretas, que o recebeu no SESC Ribeirão Preto. Carlos de Assumpção é, sem sombra de dúvidas, um dos maiores poetas negros brasileiro e uma referência na luta contra o racismo.
O corpo, já curvado pelo tempo, era ágil e independente. As falas contundentes e os longos poemas foram declamados sem que a memória lhe faltasse. Carlos de Assumpção brincou com o público, passou ensinamentos, contou histórias, falou sobre suas lutas, nos fez rir e chorar. Compartilhou conosco o seu legado de vida.
A todo o momento cantava, acompanhado de percussão e violão: “Eu sou Carlos de Assumpção, Todo mundo é meu amigo, Todo mundo é meu irmão, Mas o racista não”. E seguia sorrindo e cantando esse mantra enquanto semeava a sua energia pela roda de poesia.
Ver um homem que enfrenta o racismo de frente, há 90 anos, saudável, lúcido e com disposição para continuar, me fez compreender o real sentido da Consciência Negra: manter-se vivo. E quero partilhar esse aprendizado com os meus.
Mortos ou adoecidos servimos, apenas ao propósito do sistema. Por isso precisamos fortalecer práticas de autoproteção. Falar sobre amor, sonhos, cuidado e afetividade, mesmo diante das adversidades. Assumpção me ensinou que isso faz parte da luta, caso contrário, sucumbimos.
Assim sendo, acredito que a Consciência Negra e a militância, sejam para que possamos viver por longos 90 anos, ou mais. Para que possamos deixar um legado de vida para as próximas gerações, assim como Carlos de Assumpção.
“Mesmo que voltem as costas
Às minhas palavras de fogo
Não pararei
Não pararei de gritar” (trecho do poema Protesto – Carlos de Assumpção)”