Consciência universal

Fonte: Juiz de Fora Online –

Por Aldine Mara, Anelise Polastri e Hellen Katherine

Desde 1888, a Lei Áurea pôs fim ao regime escravista brasileiro. Naquela época, a opção pelo trabalho escravo tinha como principal argumento uma teoria assegurada pela Cora e pela Igreja: o negro era considerado um ser racialmente inferior. Por conta disso, historiadores como Pedro Calmon e Pandiá Calógeras, afirmam que entraram nos portos brasileiros cerca 8 milhões de escravos a partir de 1570. Essa tese sem qualquer fundamentação científica e, principalmente, humana, perpassou a história do Brasil durante anos, deixando marcas e fomentando grupos de resistência que lutam para recuperar o grande déficit sócio-econômico causado aos afrodescendentes desde o período Colonial.

 

Cento e vinte e um anos depois da abolição da escravatura, muito se fala sobre consciência negra. Por conta desse pensamento, uma conquista já é celebrada anualmente: o Dia da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro. A data representa o dia da morte do líder do Quilombo dos Palmares, Zumbi, que morreu em 1965. Este personagem representou a luta do negro contra a escravidão e morreu em combate, defendendo a cultura e a liberdade de seu povo.

 

Outro importante ganho do movimento negro foi a lei n° 10.639, a qual exige que as escolas brasileiras incluam disciplinas e conteúdos que visam estudar a história da África e a cultura afro-brasileira. Com esse objetivo, a Universidade de Juiz de Fora (UFJF) conta com espaços específicos para a discussão desses temas, como o Nepabe, Núcleo de Estudo e Políticas Afro-brasileiras. De acordo com o integrante do núcleo, Luiz Sérgio da Silveira,

Luiz Sérgio da Silveira: “Trazer o movimento negro para
dentro das Universidades é um grande avanço”


o objetivo desse grupo de  discussão é trazer para dentro da Universidade debates como, por exemplo, o racismo: “trabalhar a questão da pesquisa vai ser muito importante para que os próprios alunos desenvolvam novas idéias acerca da luta contra o racismo. Isso é uma contribuição que o movimento negro dá para a Universidade. A história africana e do povo negro no Brasil tem que ser colocada em sala de aula”, afirma. Sérgio comenta ainda quais são as propostas do Nepabe: “nós estamos com uma parceria com a Universidade, em torno de um projeto que é a biblioteca específica de assuntos afro-brasileiros. Nós já temos mais de cinco mil livros. Você vai ter não só a parte da biblioteca, mas também a parte de vídeos, a parte de informações onde haverá um setor da memória resgatada do movimento negro… A intenção é buscar a questão da pesquisa, do estudo, para poder criar um banco de dados com todas as informações do negro em juiz de fora”, explica.

robert_daibert

O diretor geral do Neab, Robert Daibert,
espera que o núcleo seja interdepartamental,
garantindo, assim, a participação de professores,
alunos, pesquisadores e todos servidores das unidades
acadêmicas da UFJF

 

Outro grupo de discussão dentro da UFJF é o Neab, Núcleo de Estudo Afro-brasileiro. Também com a intenção de promover, dentro da Universidade, propostas de ensino e pesquisa relacionadas ao campo de estudos afro-brasileiros, o grupo busca viabilizar atividades de extensão voltadas para a mesma temática. De acordo com o diretor geral do Núcleo, Robert Daibert, o órgão vai além dos muros da Universidade: “o objetivo é reunir os pesquisadores não só da UFJF, mas do movimento negro e da sociedade civil em geral, em torno desse tema”, ressalta. O Neab terá sua sede própria em breve, que irá funcionar no prédio da UFJF, na Avenida Rio Branco 3.460, Centro.

 

Movimento Negro em Juiz de Fora


De acordo com Luiz Sérgio, o movimento negro está presente na cidade desde a década de 30, com diversas iniciativas e ações que mudam a cada época: “Hoje você tem um pouco mais de liberdade para poder falar. Mas em tempos atrás se você se reunia era perseguido pela polícia que chegava e batia: a capoeira não podia reunir porque todo capoeirista era bandido era malandro, a religião de matriz africana também era colocada sob a batuta da polícia.. e isso não era apenas em manifestação do ponto de vista do negro. Hoje isso já é diferente, por isso vemos o nosso crescimento”, diz.

 

Segundo Sérgio, o movimento negro em Juiz de Fora se organiza através de várias entidades e cada uma tem uma linha de ação, “algumas trabalham com a questão da arte e educação, outras com a questão cultural, outras são mais do ponto de vista político social, algumas trabalham com a questão religiosa, a religião de matriz africana… O movimento trabalha em vários núcleos e em vários níveis de luta, e mais ainda, trabalha unificado na questão na luta contra o racismo. Isso é o que unifica o movimento negro”, comenta.

 

Porém, ele aponta que ainda não é possível contabilizar quantos grupos trabalham com essa temática em Juiz de Fora: “As ações do movimento não estão ainda bem organizadas do ponto de vista de mapeamento das entidades do movimento negro. Mas eu falo que são várias entidades, cada uma na sua área faz o seu trabalho. Pegando o lado da música, tem o hip hop, tem o pessoal da dança de rua, da capoeira… Tem a questão política que luta contra o racismo, tem a parte da literatura com o resgate da literatura africana… São várias as ações”, explica.

 

Luiz comenta ainda, que a nível local nem todas as entidades se reúnem para “terem uma conversa”, mas que o Conselho de Valorização do Negro e a formação dos Núcleos (Neab e Nepab) podem unificar as atividades propostas desses grupos. E ressalta que a nível nacional o movimento está crescendo: “Existe o Conen (Conselho Nacional de Entidades Negras) que congrega várias entidades do ponto de vista nacional. Esse conselho está organizando o primeiro congresso negro brasileiro, que será uma ação que envolverá várias entidades locais. A partir daí você começa a tirar algumas diretrizes e orientar a luta contra o racismo no Brasil”. Em fase de organização, o Congresso está previsto para acontecer no ano que vem.

 

Quanto as conquistas do movimento negro em Juiz de Fora, Luiz aponta, principalmente, a visibilidade que os grupos passaram a ter: “A conquista maior é essa que você esta fazendo: me entrevistar.  Porque nesses anos todos de militância nós fazíamos sozinhos, éramos tachados de loucos ou, no mínimo, estávamos propagando o racismo. E nós provamos o contrário: o racismo existe e ele precisa ser combatido. No momento em que você derruba o mito da democracia racial , você acaba com o mito de que no Brasil não existe racismo. Isso foi o maior avanço. A própria Universidade brasileira passou a discutir e a trabalhar essa tese de que existe racismo”. Sérgio lembra ainda dos avanços obtidos no mercado de trabalho e na educação: “derrubamos o mito da boa aparência, de que boa aparência é de branco; na área da educação tem a questão das cotas, que muitos não aceitam, mas é uma forma de trazer o negro para dentro das Universidades. E isso aumenta o estudo acerca da participação do negro na história do Brasil , que vai desde a literatura até a ciência, e que muitos desconhecem”,diz.

 

Porém, um dos pontos que mais traz orgulho ao movimento negro é exatamente o pioneiro na luta contra a discriminação dos afrodescendentes: “A figura de Zumbi dos Palmares, que nos inspira , passa a ser um dos únicos heróis brasileiros de fato. E um herói que nasce do povo, a ponto de vários municípios e alguns estados já terem feriado em comemoração ao dia de Zumbi dos Palmares”, finaliza.

 

Mês da Consciência Negra


Em Juiz de Fora, a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), por meio da Funalfa, promoveu durante todo o mês de novembro uma programação especial em comemoração ao Mês da Consciência Negra. Foram desenvolvidas atividades para a ocasião, como palestras, workshops, apresentações de dança e música, exposições, cinema, celebrações religiosas, caminhadas entre outras ações. O objetivo foi debater as contribuições das diversas manifestações de matriz afro-descendente para a cultura brasileira, com a participação de vários artistas da cidade. A programação teve início no dia 13 de novembro e terminou no último dia 29.

 

Uma das atividades presente na programação foi levar para as salas de cinema o filme nacional Besouro. O longa que estreou em outubro desse ano foi exibido a preço popular (R$1) no CineArt Palace nas quintas-feiras, durante o mês de novembro. O filme conta a história de Manoel Henrique Pereira, um menino negro, nascido em um Brasil que havia libertado seus escravos recentemente. Manoel passa a ser chamado de Besouro e se torna o maior capoeirista brasileiro da década de 20. Um menino que se identifica com o inseto (besouro) por desafiar as leis da física ao voar, passando a ser o símbolo da luta contra o preconceito e a opressão.

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