Conte Sua História de São Paulo 465 anos: na porta do Mappin, o encontro dos jovens negros da cidade

Tenho 66 anos. Sou paulistano da Vila Guarani, no Jabaquara. Negro, advogado formado pela PUC. Quero contar um fenômeno da década de 1970: o encontro da juventude negra, toda sexta-feira, na porta do Mappin, a grande loja de departamentos paulista.

Por Antonio Carlos Arruda, Ouvinte da CBN

No Mílton Jung

Era uma coisa mágica, uma expectativa e uma ansiedade que mexia com o nosso sentimento, jovens negros, de todos os lugares de São Paulo. Sem que ninguém marcasse nada, comparecíamos ali espontaneamente. Sexta, sim, e a outra, também. Não havia motivação política, muito embora pude entender tempos depois, que havia de maneira subliminar a procura por uma situação de igualdade — infelizmente, ainda não alcançada pela nossa gente.

Mas o importante aqui é que íamos para a porta do Mappin para encontrar jovens, negras e negros, onde rolavam por certo as paqueras –- muitos casamentos saíram dali. Mas, especialmente, para saber onde seriam as festas, os bailes de fim de semana, nas casas de família e nos salões da cidade. Falávamos de música, dos últimos lançamentos e dos sucessos dos nossos ídolos brasileiros e americanos. Desfilávamos com nossas melhores roupas —– calças bocas de sino; as meninas com suas blusas colantes, saltos altíssimos e cabelos afros mais incríveis e grandes que pudéssemos armar.

Doutor Antonio Carlos Arruda (Foto: Acervo Geledés Instituto da Mulher Negra)

Algumas explicações para esse fenômeno:

Éramos o segmento mais pobre da população, raríssimos tinham telefone em casa. Se uma garota passava o número, era uma referência de “gente fina”, coisa que só os brancos tinham. Desde muito jovens trabalhávamos de office-boys, auxiliares de escritório, bancários. As meninas também em escritório, poucas lojas as aceitavam como vendedoras; eram faxineiras nas empresas do centro e, outras tantas, empregadas domésticas nos Jardins.

Também porque festa de preto não era igual festa de branco. Não gostávamos de Jovem Guarda. Nossas referências eram Wilson Simonal e sua pilantragem; Jorge Ben com seu samba-rock; Tim Maia com seu soul americanizado e parecido com James Brown, Billy Stuart, Aretha Franklyn, o exotismo de Miriam Makeba; os sambas de Elza Soares, Elis Regina, Originais do Samba e por aí afora.

Eram tantos negros naquele espaço, que se estendia por um pedaço do Viaduto do Chá defronte a antiga Light até a Galeria Nova Barão, num vai e vem que ia das seis da tarde às dez da noite.

Além de quase todos sermos clientes do Mappin e aproveitarmos para pagar nossos carnês e fazer novas compras, outra explicação para o local do encontro era a facilidade para depois cada um tomar o rumo do seu destino.

Foi tão marcante a presença de negras e negros, que as escadarias do Teatro Municipal foram o local de lançamento do Movimento Negro Unificado, numa sexta-feira, dia sete de julho de 1978.

Antonio Carlos Arruda é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Participe da série em homenagem aos 465 anos da nossa cidade: envie seu texto agora para [email protected]

+ sobre o tema

Movimento social prepara carta a Dilma em defesa de negros no governo

Dia 14 de Novembro, véspera do aniversário da Proclamação...

Inscrições abertas para o mapeamento de povos e comunidades tradicionais do Rio de Janeiro

Entidades interessadas em realizar mapeamento socioeconômico e cultural dos...

Homenagem a Marighella: Segunda, no Tuca; será exibido clipe dos Racionais

Nesta segunda-feira 3, às 18 h, será realizado no...

São Paulo reconhece 4 áreas de quilombos

As comunidades ficam em Eldorado, Iguape e Iporanga e,...

para lembrar

Filme de Wagner Moura sobre Marighella abre seleção de atores

Filme de Wagner Moura sobre Marighella abre seleção de...

Direto da Conferência Mundial das Humanidades, na Bélgica

Direto da Bélgica, a Delegação de intelectuais afro-brasileiros, convidados...

Cores e lugares do Novembro Negro

“É minha força, é nossa energia Que vem de longe...

Nivia Luz: Espírito livre

Na infância, Nivia Luz queria ser astronauta. Depois, engenheira....
spot_imgspot_img

Levantamento mostra que menos de 10% dos monumentos no Rio retratam pessoas negras

A escravidão foi abolida há 135 anos, mas seus efeitos ainda podem ser notados em um simples passeio pela cidade. Ajudam a explicar, por...

Racismo ainda marca vida de brasileiros

Uma mãe é questionada por uma criança por ser branca e ter um filho negro. Por conta da cor da pele, um homem foi...

Nós, Negras e Negros somos livres?

Quando paro para pensar em todas as denúncias de racismo que acorreram nos últimos anos, e, a dimensão que as práticas racistas tomaram nas...
-+=