Contrução identitário e a importância da educação das relações étnico-raciais na infância

Os espaços de educação infantil são característicos pela ampliação do convívio social, que deixa de ser prioritariamente a família e estende-se aos colegas e profissionais da escola. Esse contato proporciona à criança, durante a infância, uma gama de relações sociais com seus pares e com adultos, com diferentes subjetividades, etnias, gêneros e identidades, relações essas que somam grande influência na formação de sua própria identidade e autoimagem. Se antes a criança era vista como um “adulto em miniatura”, com os estudos da sociologia da infância, a partir da década de 1990, desenvolve-se uma teoria do desenvolvimento infantil que reconceitua o lugar das crianças na sociedade, relacionando o conceito de infância com uma construção social. As análises sociológicas demonstram interesse pelas crianças por seu papel de sujeitos e atores sociais, e não mais como objetos passivos, e que devem ser analisadas por variáveis como classe social, gênero e etnia.

Enviado por Daniele Galvani do Nascimento via Guest Post para o Portal Geledés 

De acordo com Bento (2012), a formação da identidade da criança acontece por meio da socialização, e das relações estabelecidas com “o outro” é construída sua autoimagem e autoconceito, concluindo que “[…] o estágio em que está o adulto, no que diz respeito a sua identidade racial e sua percepção sobre diferenças raciais, é elemento importante no cuidado com a criança (2012, p. 112).

Logo, uma educação voltada para as diversidades torna-se de extrema necessidade, e deve fazer parte da reflexão do professor em seu cotidiano docente desde o início da escolarização da criança. De acordo com Abramovicz,

Precisamos no nosso trabalho cotidiano, incorporar o discurso da diferença não como desvio, mas como algo que enriquece nossas práticas e as relações entre as crianças, possibilitando, desde cedo, o enfrentamento de práticas de racismo, a construção de posturas mais abertas às diferenças e, consequentemente, a construção de uma sociedade mais plural. (ABRAMOWICZ et al., 2006, p.74)

Segundo Abramovicz et al., a partir da análise de diversas pesquisas, crianças aos 4 anos de idade “[…] já passaram por processos de subjetivação que as levaram a concepções já tão arraigadas no nosso imaginário social sobre o branco e o negro e consequentemente sobre as positividades e negatividades atribuídas a um e outro grupo racial” (2010, p. 85). Torna-se evidente a importância da escola e das concepções e visão dos profissionais envolvidos com essas crianças para o reforço ou combate aos estigmas e estereótipos negativos atribuídos aos negros.

Para a promoção da autoestima da criança negra, segundo Romão (2001), é necessário que o educador compreenda os alunos como indivíduos que pertencem a culturas coletivas, mas sem deixar de observar que cada aluno possui sua individualidade dentro desta coletividade, atentando para aspectos emocionais, cognitivos, físicos e culturais.

Uma prática pedagógica que promova a autoestima necessariamente necessita estar comprometida com a promoção e com o respeito do indivíduo e suas relações coletivas. O educador que não foi preparado para lidar com a diversidade tende a padronizar o comportamento dos seus alunos (ROMÃO, 2001, p. 163).

Porém, nem sempre encontramos professores preparados para lidar com os desafios que a discriminação racial impõe em sala de aula: “[…] essa falta de preparo, que devemos considerar como reflexo do nosso mito de democracia racial, compromete, sem dúvida, o objetivo fundamental da nossa missão no processo de formação dos futuros cidadãos responsáveis de amanhã” (MUNANGA, 2005, p. 15). Uma leitura crítica pode fornecer subsídios para o debate acerca das relações étnico-raciais, principalmente no que tange à cultura africana e afro-brasileira, como forma de conscientização e respeito à diversidade.

É de extrema importância para a educação das relações étnico raciais na infância compreender a visão e percepção dos educadores em relação ao racismo e seus desdobramentos, e as concepções acerca do ensino de africanidades e do conceito de infância, e como essa visão vai ao encontro de práticas pedagógicas que contribuem para a construção da subjetividade dos alunos. A partir do levantamento das fragilidades ainda existentes, torna-se necessário a reflexão e o enfrentamento da questão, buscando mudanças positivas nas práticas destes profissionais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRAMOWICZ, Anete; SILVÉRIO, Valter Roberto; OLIVEIRA, Fabiana; TEBET, Gabriela Guarnieri de Campos. Trabalhando a diferença na educação infantil. São Paulo: Moderna, 2006.

BENTO, Maria Aparecida Silva. A identidade racial em crianças pequenas. In: BENTO, Maria Aparecida Silva (Org.). Educação infantil, igualdade racial e diversidade: aspectos políticos, jurídicos, conceituais. São Paulo: Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades – CEERT, 2012.

MUNANGA, Kabengele (Org.). Superando o Racismo na Escola. Brasília: MEC- SECAD, 2005.

ROMÃO, Jeruse. O educador, a educação e a construção de uma auto-estima positiva no educando negro. In: CAVALLEIRO, Eliane (Org.). Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa escola. 5 ed. São Paulo: Selo Negro, 2001.

** Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do PORTAL GELEDÉS e não representa ideias ou opiniões do veículo. Portal Geledés oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

+ sobre o tema

Se os privilegiados estão cansados, imagine os negros

   Não venho armado de verdades decisivas.      ...

O culto à ignorância passará o cristianismo como principal crença do Brasil

Estamos acostumados a ouvir que “a educação é a...

Carol Conká, a Karabá do BBB

A atuação daquela eleita vilã de reality que, em...

ENEM: Instrumento valorizado

- Fonte: Zero Hora - DIVULGAÇÃO/ENEM O Exame Nacional do...

para lembrar

Secretaria da Educação exclui de avaliação estudantes de escolas ocupadas em SP

Para alunos e professores, avaliação perderá "legitimidade", já que...

UFG abre concurso com mais de 100 vagas para professores

A Universidade Federal de Goiás (UFG) anunciou que vai...

Alguns socos na hipocrisia: Criolo e Lázaro

O rapper “Criolo” conversa sobre questões sociais e culturais...

Aumenta acesso de negros ao ensino

Fonte: G1 - Vestibular Educação - Foto: David Schaffer/Getty Images A...
spot_imgspot_img

Geledés participa de audiência sobre Educação das meninas e mulheres negras na Câmara dos Deputados

Geledés – Instituto da Mulher Negra participou, nesta quinta-feira 21, de audiência da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, em Brasília, da qual...

Unilab, universidade pública mais preta do Brasil, pede ajuda e atenção

A Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) surgiu com a proposta de fazer a integração de alunos de países africanos de língua...

Cotas, sozinhas, não acabam com a desigualdade

Há uma demanda crescente para que as universidades de alto prestígio (ou de elite) aumentem a diversidade étnico-racial e socioeconômica de seus alunos. Nessa...
-+=