COTAS, INCLUSÃO E RISCO-BRASIL

 

LEONARDO ATTUCH,

Numa semana tomada pelo escândalo da quadrilha dos fiscais de São Paulo e pela histeria de alguns agentes econômicos em relação à situação das contas públicas, uma das principais iniciativas do governo Dilma Rousseff passou praticamente despercebida: o apoio enfático ao projeto que reserva 20% das vagas nos concursos públicos para afrodescendentes. No Twitter, Dilma defendeu a política de ação afirmativa e disse uma verdade incontestável num Brasil que não se diz racista: a cor da pele ainda é, infelizmente, um fator de exclusão.

A essa iniciativa, soma-se uma interessante entrevista concedida pelo economista Joaquim Levy, ex-secretário do Tesouro Nacional e ex-Fundo Monetário Internacional, sobre a gritaria do mercado financeiro relacionada à situação das contas públicas. Segundo Levy, mesmo que não cumpra a meta de superávit primário de 2,3% do PIB, o Brasil não está nem perto de um “abismo fiscal”. Além dele, uma agência de risco, a Standard & Poor’s, garantiu que não trabalha com a hipótese de rebaixamento da nota do País, a despeito da pressão que parte de setores da própria sociedade brasileira para que isso ocorra.

No entanto, o que as cotas raciais têm a ver com a discussão sobre contas públicas e risco Brasil? A resposta está na entrevista de Levy, na qual ele afirmou que uma sociedade é analisada por fatores que vão muito além da contabilidade pública. Um dos aspectos essenciais é a política de inclusão social. “Se tivermos esse modelinho, o mundo pode dar cambalhotas que o Brasil vai continuar navegando”, afirma. “É isso que o investidor olha e diz ‘eu quero estar ali’.” Nos últimos anos, milhões de brasileiros foram incorporados à classe média, o que fez com que, mesmo nos períodos de crescimento relativamente baixo, a sensação de bem-estar econômico fosse preservada. A grande oportunidade para dar um salto nas políticas de inclusão social pode vir justamente da política de cotas raciais no setor público, que, além da estabilidade, oferece os melhores salários e aposentadorias.

Nos Estados Unidos, onde a proporção de negros é muito inferior à da sociedade brasileira, eles já chegaram ao poder, não apenas com Barack Obama, mas também com figuras de forte representação social, como os astros Morgan Freeman, Eddie Murhy e Denzel Washington, além de vários presidentes de grandes empresas. Lá, as políticas de ação afirmativa foram implantadas em 1961, pelo então presidente John F. Kennedy, o que significa que o Brasil está pelo menos meio século atrasado nessa discussão – assim como esteve atrasado na Abolição.

Criar oportunidades reais para que os negros sejam incorporados aos postos de elite da carreira pública e ao mercado de consumo é o grande salto que o Brasil pode e deve dar nos próximos anos. E que certamente contribuirá mais para a redução do risco Brasil e o crescimento da economia do que um eventual aperto nas contas públicas. Uma política que trará benefícios, inclusive, para os setores mais conservadores da sociedade, seja numa maior paz social, seja em maiores lucros para suas empresas.

 

Fonte: Brasil 247

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