Crime de racismo: Uma prática histórica

O racismo no Brasil, é um problema que existe há muitos anos. A legislação penal brasileira vigora na égide do Código Penal de 1940, da era getulista, Voltando no tempo, o código penal de 1890; antes dele o Código Criminal do Império de 1830 e antes do código do Império, vigoravam as Ordenações Filipinas, Livro V.

Por: Marlon Azevedo Do Herberth Garcia

Nas Ordenações Filipinas, não encontramos, no livro V, nenhum tipo de preconceito; pelo contrário, a escravidão humana existia (negro, índio) e o livro V tratava da matéria, mas nenhum dispositivo condenava o racismo. Tinham dispositivos que estimulavam o racismo.

Por exemplo: contra os judeus, ciganos, mouros, os quais eram obrigados a usar roupas e chapéus de determinada cor, forma, entre outras práticas, e, se não o fizessem, estariam praticando uma infração penal. Assim, nos primeiros tempos após o descobrimento, durante 300 anos, a nossa própria legislação penal estimulava a ação discriminatória, envolvendo certas e determinadas pessoas.

Após a Proclamação da República, passamos para o Código Criminal de 1830, no qual não figurava nenhum dispositivo consagrando ou prestigiando esse procedimento preconceituoso, mas também nada dizendo que racismo, preconceito envolvendo religião, sexo, negro, mulheres, idosos, configuraria infração penal. A escravidão continuava e no Código Criminal de 1830, existia toda uma parte dedicada aos escravos, quando eles infringiam a lei penal.

Eles recebiam tratamento diferente. No artigo 60 do Código Criminal do Império, se o réu fosse escravo e incorresse em penas que não fossem a pena capital ou de galés, ele seria condenado à pena de açoites e depois, seria entregue ao seu senhor, que colocaria nele, escravo, um ferro pelo tempo e maneira que o juiz designasse.

Sendo que o número de açoites seria fixado na sentença e o escravo, não poderia levar mais de cinqüenta açoites por dia. Já o Código da República, de 1890 que não trazia nenhuma alusão ao preconceito, mais verifica-se que no Brasil o movimento de Vargas, o Estado Novo, adotamos uma nova codificação penal que é o Código Penal de 1940.

Com a Revolução de 1964, partimos também para um novo código penal; foi o código de 1969, que nem chegou a entrar em vigor. No código de 1940 não há nenhum dispositivo a respeito de racismo ou de preconceito, sendo que a expressão racismo é totalmente inadequada.

O correto é usar preconceito. Importante falarmos da Lei de 1951, a lei 1390/51 – Lei Afonso Arinos, dizia: “constitui infração penal (contravenção penal) punida nos termos dessa lei, a recusa por estabelecimento comercial ou de ensino, de qualquer natureza, de hospedar, servir, atender ou receber clientes, comprador ou não, o preconceito de raça ou de cor”.

O que temos, através dessa lei e de leis posteriores, é o combate ao preconceito, à chamada ação discriminatória, que nem sempre envolve raça. Quando falamos em racismo, limitamos a área de incidência do preconceito. As manifestações preconceituosas são muitas: podem envolver a raça, cor, idade, sexo, religião, grupo social etc. Preconceito é uma infração genérica; neste gênero chamamos de preconceito de: raça, cor, estado civil, sexo, inclinação religiosa etc.

O preconceito é considerado contravenção penal. O que a lei pune é o preconceito apenas de raça e cor. Preconceito é gênero; o que se combate realmente é o preconceito. Já em 1985, 34 anos depois da Lei Afonso Arinos, foi promulgada a lei nº 7437/85.

Essa lei continua a considerar os comportamentos preconceituosos, meramente contravenção penal. Pela lei, a contravenção foi estendida para preconceito de: raça, cor, sexo, estado civil. A idéia central continua a ser preconceito, mas a lei evoluiu pois aumentou o número de crimes de natureza preconceituosa.

Preconceito de sexo é não permitir por exemplo a entrada de mulheres desacompanhadas em determinados lugares; isto acontecia em certos estabelecimentos em São Paulo, tais como boates, bares dançantes etc. A Constituição de 1988, em seu art. 5º – inc. XLII, passou a considerar a prática do racismo como crime inafiançável e imprescritível. O legislador falou em racismo, mas na verdade, o que ele queria dizer era preconceito.

Preconceito é gênero, do qual o racismo é uma espécie. Por racismo, entende-se um preconceito que abrange a raça e no máximo, a cor das pessoas. O racismo não envolve preconceito de sexo, de estado civil ou de outra natureza. O racismo então deixou de ser mera contravenção e ganhou o “status” de crime, é um crime particular, extraordinário, porque esse crime está sujeito sempre à pena de reclusão, ou seja, um crime inafiançável e mais ainda, um crime imprescritível.

É óbvio que o racismo é um crime muito grave, mas fazer com que seja um crime imprescritível é um absurdo. É preciso que o direito de punir do Estado seja limitado no tempo; não pode um crime não prescrever nunca. Nos diplomas penais do mundo moderno, a prescrição começa a ser introduzida, pois a prescrição atenua aquele poder do Estado de a qualquer hora poder punir.

Para o Estado, a imprescritibilidade é uma coisa extraordinária, mas não o é evidentemente, uma garantia para o cidadão. A prescrição é um instituto moderno e soberano em todos os códigos de todos os povos modernos.

O legislador brasileiro retrocedeu séculos quando colocou como imprescritível o crime de racismo. Diante da Constituição tinha que vir a lei ordinária nº 7716/89, que fala apenas em raça e cor. Essa lei pune expressamente o preconceito de raça e cor.

Em vista disso, da lei acima, com relação ao sexo e estado civil, continua em vigor a Lei 7436/85, que trata o delito como uma contravenção. A Lei 8081/90 acrescentou o art. 20 à lei anterior: Norma alterada pela Lei 8081. LEI 7.716 DE 05/01/1989 – DOU 06/01/1989 que Define os Crimes Resultantes de Preconceitos de Raça ou de Cor. ART. 20 – Praticar, induzir ou incitar, pelos meios de comunicação social ou por publicação de qualquer natureza, a discriminação ou preconceito de raça, cor, religião, etnia ou procedência nacional (grifo nosso).

Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. É apenas através da mídia, através da imprensa. A Lei, limitou esses atos, característicos de crime, à chamada publicação, aos anúncios em jornais e outros meios de comunicação. Antes da lei, haviam anúncios de empregados procurados nos jornais, que davam preferência a candidatos nisseis, candidatos de orígem alemã, americana e assim por diante, criando uma barreira às pessoas de outras nacionalidades.

Esta seria a última lei a respeito do assunto. A Lei 9092/95 de 13.04.95 proíbe a Exigência de Atestados de Gravidez e Esterilização, e outras Práticas Discriminatórias, para Efeitos Admissionais ou de Permanência da Relação Jurídica de Trabalho, proibindo a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade.

Com isso, observo que é de é de extrema importância que o fenômeno jurídico não se afaste das circunstâncias e fatores sociais que o geraram e modificam sua existência. Da mesma forma, não se pode olvidar a relevância da interpretação das normas jurídicas de maneira teleológica e de forma coerente com os princípios e regras constitucionais.

De tal maneira, cumprir-se-á a função primordial do Direito, vale dizer, pacificar conflitos oriundos do embate de interesses e visões acerca dos fatos da vida,  tutelando o direito daqueles que o vêem lesionados ou ameaçados e aplicando sanções àqueles que ofendem ou põem em risco bem juridicamente relevante.

Considerando que o nosso Direito Penal, como parte integrante do sistema jurídico – consiste em instância de controle da sociedade, visando a proteger os bens jurídicos de maior importância, cuja ofensa constitua-se em ato intolerável que requeira a mais invasiva e hostil manifestação jurídica. Na defesa destes bens, cabe ao intérprete da lei penal jamais reduzir a tutela dada pelo legislador ao objeto de proteção ou não concedê-la, por redução do significado dos termos empregados na lei, a grupos ou indivíduos que dela necessitem.

Com isso, conclui-se que a Lei nº 9.459/97 é de suma importância a nação brasileira, tendo em vista, que os direitos contidos nela,  garante o direito à dignidade dos grupos sociais que, pelas características que conferem a seus membros uma identidade comum, possam ser alvo de práticas preconceituosas e discriminatórias, garantido-lhes, quando da ocorrência de tais eventos, os recursos processuais associados aos delitos dispostos na lei em apreço e outras determinações relativas à comissão dos crimes de racismo.

*Procurador Jurídico da Câmara de Vereadores de Santarém, Advogado, pós graduado em Direito Processual Civel e Trabalhista, mestrando em Direito Ambiental, Vice Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-AP.

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