Mel de abelha possui funções nutricionais e é energético
É um dito popular sobre o poder curativo do mel de tiúba, cujo uso medicinal remonta a tempos imemoriais. A tiúba (Melipona compressipes fasciculata) é do grupo das abelhas sem ferrão (as meliponinas), nativas dos trópicos, que no Brasil são mais de 400 espécies. O mel de tiúba é alimento e remédio valiosos. Amo coalhada adoçada com mel de tiúba! Em minha infância até a idade adulta, a palavra mel significava sempre que era mel de tiúba, dada a sua prevalência no médio sertão do Maranhão.
Não conhecia outros méis até comprar um pote de mel em supermercado. Era de abelhas Apis. Achei o gosto estranho. Não parecia com o que eu estava acostumada. Os méis das abelhas sem ferrão possuem maior quantidade de água e não contêm sacarose, logo são menos enjoativos do que o das abelhas Apis; possuem uma textura mais fina, de sabor entre o ácido e o ligeiramente azedo, meio licoroso, e são meis medicinais, usados como expectorante e poderoso cicatrizante de feridas, cientificamente comprovado.
Todo mel de abelha possui funções nutricionais e, sobretudo, é um energético, substituto do açúcar; e desempenha funções terapêuticas. Várias pesquisas demonstraram que o mel é dotado de ação imunológica, ou seja, fortalece o organismo contra as infecções; alivia a dor (analgésico); mata umas coisinhas vivas que causam doença, como as bactérias (antibactericida); age contra inflamações (anti-inflamatório); ajuda a reter cálcio, fortalecendo os ossos; e é um laxante natural.
Um tirador de mel, o velho Zeca Abelha, gabava-se de esbanjar saúde: “Sou sadio de tudo, dona doutora. Nunca tive crisipa nenhuma, nadica de nada. Até essas gripes bestas que pegam em todo mundo, n’eu num pega de jeito nenhum. O mel de tiúba me protege”. Machista emérito, dizia que mulher não era bicho de confiança, sobretudo as viúvas, que era o meu caso, pois “botavam fora” o suor do finado, por qualquer “veste-calça”, o que não ocorreu comigo.
Recebeu permissão do meu marido para ser dono do mel de nossa roça. Ele cuidava das colmeias silvestres, tirava mel de tiúba e o vendia sem destruir os “ninhos das bichinhas”.
Era o dono do mel, mas nos abastecia de mel de tiúba. Seu medo era que eu retirasse a permissão, o que jamais fiz. Quando eu mandava dizer que havia chegado, aparecia de mansinho, com o olhar desconfiado: “Vosmicê mandou chamar?”. Um dia, à sombra do frondoso tamarindeiro, diante de minha casa, ele, sentado num tamborete, e eu, deitada numa rede pegando uma fresca da chapada, buscava convencê-lo a conceder-me uma entrevista sobre sua vida de dedicação às abelhas. Era arredio em repassar sua experiência, aprendida do seu avô, mas envelhecia e eu desejava eternizar aquele saber. Ele não!
Queria gravar nossas prosas e publicá-las como ciência e sabedoria de um tirador de mel, pois o considerava uma enciclopédia ambulante de abelhas sem ferrão. Ele não concordava com um meliponário, uma criação artificial de abelhas sem ferrão. “Pra quê Vosmicê quer mais abelhas do que já tem nessa mata sua aí? É exagero, patroa! Posso arresponder adepois? Vou pensar se vai dar certo ou não”. E lá se vão quase duas décadas sem resposta.
E só virou meu amigo depois de certo dia convidá-lo para uma pinga. “Vamos molhar a palavra com um tiquinho dessa pinga boa, seu Zeca?”. Assustado, disse-me: “Mas dona doutora, desculpe, que mal lhe pergunte, e vosmicê também gosta de molhar a palavra? Viiixe Maria, você é o cão em figura de mulher!”.
Fonte: O Tempo