Demonizando um presidente pós-racial

Fonte:Folha de São Paulo –

QUANDO , em 2004, o então candidato ao Senado Barack Obama, em discurso feito na convenção do Partido Democrata, disse que “não existe uma América de esquerda e uma América conservadora -existem os Estados Unidos da América”-, aquilo soou como se ele vivesse em outro planeta.

Semanas mais tarde, grupos de extrema direita começaram a sabotar a campanha do candidato presidencial de seu próprio partido em 2004, John Kerry, com anúncios na TV que contestavam o heroísmo militar dele na Guerra do Vietnã.

Agora esses mesmos demagogos estão procurando fazer as iniciativas do presidente Obama descarrilarem, com a mais ácida campanha de difamação jamais travada contra um presidente americano. No fim de semana passado, grupos ultraconservadores reuniram 75 mil manifestantes em Washington em uma marcha, em protesto contra os gastos do governo -tudo, desde o plano de estímulo econômico de Obama até seu plano de reforma do sistema de saúde. Cartazes de oposição ao plano de saúde mostravam Obama como curandeiro africano ou diziam “Enterrem o plano de Obama juntamente com Kennedy”, para comemorar a morte recente do senador Ted Kennedy, o principal defensor da reforma da saúde. Na CNN, o radialista de extrema direita Mark Williams, um dos organizadores do protesto, admitiu ter rotulado Obama de “racista em chefe”. E Glenn Beck, um âncora no canal Fox News, que promoveu a marcha, tachou Obama de “racista” dotado de “um ódio a pessoas brancas profundamente arraigado”.

Na semana passada a colunista do “New York Times” Maureen Dowd escreveu que “Obama está no centro de um período de turbulência racial desencadeada por sua ascensão … um homem negro cuja legitimidade é constantemente contestada por um segmento marginal desvairado”. O ex-presidente Jimmy Carter concordou, dizendo que “grande parte da hostilidade intensa em relação ao presidente Obama é baseada no fato de ele ser negro”.

 

“Você mente!”

Na semana passada, o Congresso repreendeu o deputado Joe Wilson por ter gritado “Você mente!” quando Obama disse à Câmara Federal que a reforma da saúde não se aplicaria aos imigrantes ilegais. As acusações de Wilson foram falsas e sem precedentes. Nenhum legislador até então jamais havia gritado calúnias a um presidente, nem mesmo ao presidente George W. Bush quando este mentiu ao Congresso para conseguir sua aprovação para a invasão do Iraque. Dowd escreveu que o ataque de Wilson continha uma insinuação racista não verbalizada: “You lie, boy!” (algo como “Você mente, moleque!”).

A eleição do primeiro presidente negro não marcou, como esperavam alguns, o despertar de uma era pós-racial nos EUA. A questão racial é o elefante branco que está na sala praticamente desde que Obama tomou posse. Em maio, grupos conservadores tacharam a americana de origem porto-riquenha Sonia Sotomayor, a juíza indicada por Obama para a Suprema Corte, de racista por ter dito que “uma mulher latina sábia dotada da riqueza de suas experiências normalmente, espero, chegará a uma conclusão melhor do que um homem branco que não viveu essa vida”. Foi quando Rush Limbaugh, o mais popular radialista de extrema direita do país, acusou Obama de racismo por tê-la indicado.

Depois, em julho, Obama disse que um policial branco “agiu estupidamente” ao prender o professor negro da Universidade Harvard Henry Louis Gates Jr. na sua própria casa simplesmente porque Gates ficara indignado quando o policial exigira provas de que ele não estava tentando arrombar a residência. A reação de Obama fez Glenn Beck juntar-se ao coro da extrema direita que chamava o presidente de racista.

A ironia dessa campanha de difamação é que, como presidente, Obama não fez até agora nada para promover os direitos dos negros ou melhorar as condições econômicas dos negros, como grupo minoritário. Na verdade, seu governo boicotou a Conferência Mundial da ONU contra o Racismo, em Genebra, em abril, baseado na alegação falsa de que a conferência iria alvejar Israel de maneira injusta. As campanhas difamatórias se baseiam, porém, não na verdade, mas na tática aperfeiçoada por Joseph Goebbels, chefe de propaganda política de Hitler, que disse: “Se você contar uma mentira suficientemente grande e repeti-la constantemente, com o tempo as pessoas começarão a acreditar nela”.

 

MICHAEL KEPP , jornalista norte-americano radicado há 26 anos no Brasil, é autor do livro de crônicas “Sonhando com Sotaque- confissões e desabafos de um gringo brasileiro”, (ed. Record)

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