Denúncias de injúria e racismo são registradas diariamente no DF

Todos os dias, uma pessoa sofre com humilhações e constrangimentos por causa da cor da pele. Muitos desses casos viram ocorrência e chegam à Justiça, com condenações cada vez mais frequentes na capital federal

Por Caroline Pompeu , Mariana Laboissière, do Correio Braziliense 

A dois dias das comemorações do Dia Nacional da Consciência Negra, em 20 de novembro, o Distrito Federal mostra que ainda tem muito a aprender sobre tolerância e diferenças. Na capital onde 56,2% da população é negra, segundo dados da Companhia de Planejamento do DF (Codeplan), chama a atenção a quantidade de ocorrências de injúria racial. As delegacias registraram, de março a outubro deste ano, 236 ocorrências — a média é de quase uma por dia. No mesmo período do ano passado, foram 233.

Por trás dos números, aparecem o constrangimento e a humilhação vividos por gente como o contador Kim Fortunato, 25 anos. Segundo ele, o racismo é frequente. A última situação aconteceu em julho, quando teve o carro furtado nas proximidades de onde trabalha, no Setor Bancário Sul. O jovem procurou ajuda de uma equipe de policiais que estava perto do local, mas acabou com uma arma apontada para ele. “Mandou-me colocar as mãos na cabeça e me revistou como se eu fosse um bandido. Quando ele perguntou o porquê de eu ter me aproximado do carro da polícia, o verdadeiro criminoso já tinha ido embora”, lamenta.

Kim também recorreu à Justiça ao passar por outra situação constrangedora, desta vez, em um banco. O caso aconteceu em janeiro do ano passado. Ele foi até o local fazer um depósito, pois trabalha como tesoureiro. Ao vê-lo com muito dinheiro, uma funcionária perguntou sobre a procedência e a quantidade de dinheiro. “Desconfiando de mim, ela se recusou a depositar o valor e, como eu estava com um amigo que não era negro, disse que só faria a operação para o meu ‘chefe’, referindo-se a ele. A polícia registrou como injúria racial. Levei para a Justiça e ganhei a causa por danos morais”, contou.

Até 16 de novembro, o Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) denunciou à Justiça 75 casos de injúria qualificada e racismo — em 2014, foram 47. O promotor Thiago Pierobom, coordenador dos Núcleos de Enfrentamento à Discriminação (NED) do órgão, as recentes condenações judiciais dão confiança para mais pessoas denunciarem esses casos. “O que aconselhamos às vítimas é que, se o caso acontecer em local público, devem chamar a polícia e anotar o nome das testemunhas. Também ver se os locais tem câmeras de segurança para preservação das informações e que, o mais rápido possível, façam o registro da ocorrência policial ou entrem em contato com o nosso Núcleo. A investigação de casos da internet é possível, mas é necessário que a denúncia seja rápida”, explica.

“Macaca”
A promotora de eventos Claudenilde Nascimento Chagas, 31 anos, foi vítima de injúria racial há um ano. Ela estava em uma boate, em Águas Claras, com um grupo de amigos. Um desconhecido, seguidor de uma amiga dela numa rede social, passou um tempo ao redor da mesa onde estavam sentados. A amiga, incomodada, pediu a Claudenilde que trocasse de lugar. “Foi quando ele chegou até mim, perguntou se eu já tinha me olhado no espelho, que eu parecia uma macaca. Disse que eu era feia e que não deveria estar ali. Eu comecei a chorar”, lembrou.

Desde então, a promotora de eventos mudou de endereço, não consegue sair de casa e faz tratamento psicológico. “Na semana passada, eu tentei sair, cheguei à porta da boate e tremi. Antigamente, eu saía muito, mas, agora, sinto que as pessoas me olham diferente. Estou bem mais sistemática”, informou. Apesar de humilhada, Claudenilde denunciou o caso à polícia. Entrou na Justiça e espera ganhar a causa. Mesmo assim, lamenta que o agressor tenha sido solto após pagar fiança de R$ 1 mil.

A antropóloga da Universidade de Brasília (UnB) Rita Laura Segato avalia que o DF tem uma população com a marca forte da afrodescendência, mas o negro permanece oculto e fora da autoconsciência do brasiliense. “É um trabalho a ser feito. Uma pessoa negra que dirige um carro caro, que está em um supermercado ou caminhando nas ruas em que predominam pessoas brancas é molestada, assediada pela polícia. É muito endêmico, esse comportamento está instalado nas pessoas. Essa suspeita desnecessária é algo que tem de ser modificado”, concluiu.

Memória
2015
Julho — No dia 18, o desentendimento entre um cliente e a dona de um restaurante self-service de Vicente Pires terminou em injúria racial e danos materiais. O suspeito, de 29 anos, queria que a empresária Carmem Célia Bispo dos Santos, 46, organizasse um bufê para um casamento. Ela disse que não fazia esse tipo de serviço, e ele reagiu com xingamentos racistas e quebrou pratos, copos e material do estabelecimento. A vítima registrou ocorrência.

Abril — A jornalista Cristiane Damacena sofreu diversas ofensas raciais nos comentários de uma foto dela publicada em redes sociais, no dia 24. Depois das agressões, milhares de pessoas deixaram recados de apoio à jovem.

2014
Fevereiro — A manicure Tássia dos Anjos, 22 anos, trabalhava em um salão de beleza, na 115 Sul, quando sofreu agressões verbais por parte de uma das clientes, a australiana Louise Stephanie Garcia Gaunt. A acusada a chamou de “raça ruim” e foi presa em flagrante. No mesmo dia, a cobradora Claudinei Gomes, 33 anos, foi vítima de insultos racistas por parte de uma passageira.

2013
Junho — Nathércia de Andrade Rabelo foi presa ao agredir verbalmente funcionários de uma padaria da Asa Sul. Segundo as vítimas, ela não concordou com o preço cobrado por um suco e gritou que os atendentes “eram negros que queriam roubá-la”.

2012
Abril — O médico Heverton Menezes chegou atrasado à bilheteria do cinema, em um shopping na Asa Norte, e queria passar à frente de quem estava na fila. Diante da recusa da bilheteira Marina dos Reis, ele a agrediu verbalmente: “Seu lugar não é aqui, lidando com gente.Você deveria estar na África, cuidando de orangotangos”.

Março — Após receber quase 70 mil denúncias, a Polícia Federal prendeu dois homens que planejavam um ataque a estudantes de ciências sociais da UnB. Por meio de um site, o ex-estudante da instituição Marcelo Valle Silveira Mello e o especialista em informática Emerson Eduardo Rodrigues postaram mensagens combinando o suposto massacre. Marcelo Valle havia sido condenado por racismo, em 2009. Ele mantinha uma página na internet na qual incitava a violência contra negros, homossexuais, mulheres, nordestinos e judeus, além de pregar o abuso sexual contra crianças e adolescentes.

Marcha na Esplanada
Ocorre hoje, no Distrito Federal, a Marcha das Mulheres Negras. A concentração será às 8h30 no Ginásio Nilson Nelson. O grupo deixará o local às 9h, em direção à Esplanada dos Ministérios. É a primeira vez que a marcha acontecerá no Brasil. A intenção do movimento é reunir o máximo de organizações de mulheres negras, assim como outras entidades do movimento negro e marchar em homenagem aos ancestrais e em defesa da cidadania plena das negras brasileiras. A marcha tem representação de oito instituições nacionais de combate ao racismo e de defesa das mulheres.

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Geledés Instituto da Mulher Negra
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