Dependência econômica do parceiro e medo de morrer são principais motivos que impedem mulheres de deixar relações violentas, diz Ipec

O medo de perder a guarda dos filhos também é uma dos principais razões. A crença na mudança e no arrependimento do parceiro e a vergonha de que os outros descubram o motivo da separação estão mais presentes na percepção das mulheres, segundo a pesquisa feita com o Instituto Patrícia Galvão e Instituto Beja.

A maioria das mulheres brasileiras não consegue sair de relações violentas por depender economicamente do parceiro e uma em cada quatro insiste no relacionamento por vergonha de que terceiros descubram sobre os episódios de agressão.

É isso o que aponta a pesquisa “Redes de apoio e saídas institucionais para mulheres em situação de violência doméstica”, realizada em outubro pelo Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica), em parceria com o Instituto Patrícia Galvão e apoio do Instituto Beja e obtida com exclusividade pelo g1. O nível de confiabilidade é de 95% e a margem de erro é de 3 pontos percentuais (pps) para mais ou para menos.





Fonte: Ipec e Instituto Patrícia Galvão — Foto: Apoio: Instituto Beja

Os dados indicam que há uma percepção geral de que a dependência financeira é o fator que mais pesa na permanência em uma relação que envolve episódios de agressão. O medo de serem mortas e de perderem a guarda dos filhos caso terminem o relacionamento vêm em sequência.

crença na mudança e no arrependimento do parceiro e a vergonha de que os outros descubram o motivo da separação estão mais presente na percepção das mulheres sobre o que motiva a decisão das vítimas do que na dos homens. Já a dependência afetiva entre as vítimas e os agressores está mais presente na visão dos homens do que na das mulheres.

Para a maioria das pessoas, família e amigos e os mecanismos do estado (polícia, Justiça, etc) são os principais componentes das redes de apoio e acolhimento nos casos de violência doméstica. Porém, os dados indicam que fatores como a assistência social e psicológica, o empoderamento econômico e o fortalecimento da autoestima são mais relevantes para as vítimas do que os brasileiros, no geral, têm noção.

Apoio, denúncia e punição

Das 1,4 mil pessoas entrevistadas pelo Ipec, 93% concordaram que, ao perceberem situações de ameaça ou risco por violência doméstica, as pessoas ao redor (família, vizinhos, amigos ou colegas) devem dar apoio à vítima e/ou denunciar o agressor.

Contudo, dentre os 701 entrevistados que afirmaram conhecer pessoalmente alguma mulher que sofre ou já sofreu algum tipo de agressão do parceiro, 15% optaram por não se envolver por acreditarem que “não se deve meter em briga de casal”; outros 13% nada fizeram. Apenas 12% disseram ter procurado a polícia para denunciar os casos de violência.

A grande maioria das pessoas (85%) acredita que homens praticam atos de violência contra suas parceiras cientes de que estão cometendo crime, resguardados pela sensação de impunidade. Essa percepção é maior entre as mulheres do que entre os homens. Na pesquisa Ipec, 15% dos entrevistados do sexo masculino discordaram completamente que os agressores continuam a praticar atos violentos por terem a impunidade como garantia.

Em outra pesquisa do Instituto Patrícia Galvão, a percepção da impunidade também era alta: apenas 25% acreditavam que a maioria dos homens que ameaçam suas parceiras ou ex-parceiras são punidos na maior parte das vezes.

Além da falta de punição, sete em cada 10 brasileiros tem a impressão de que muitos policiais não acreditam na seriedade das denúncias e nos riscos que as mulheres correm ao denunciar seus parceiros.

A forma como a Justiça trata os casos de violência doméstica no país também é vista de forma negativa por 69% das pessoas – pouca importância seria dada ao assunto.

Para Fabíola Sucasas Negrão Covas, promotora de Justiça do Ministério Público (MP) de São Paulo e titular da Promotoria de Enfrentamento da Violência Doméstica do MP-SP, a sensação de impunidade marca a história da própria construção da Lei Maria da Penha. “Ela mostra o afã da sociedade brasileira em ter o direito penal como um dos fatores mais importantes no enfrentamento da violência contra a mulher. Isso é uma realidade muito presente. Impulsionou a Lei Maria da Penha com respostas de maior recrudescimento penal. A possibilidade de resolver em cestas básicas, com medidas alternativas à própria prisão em flagrante em casos que antes não estavam abarcados e as maiores possibilidades de prisão preventiva, como o descumprimento de medidas protetivas”, afirma.

Segundo ela, “a realidade hoje ainda mostra uma grande dificuldade do sistema de Justiça responder o volume de processos que tem chegado às Varas de violência contra a mulher”.

“Não é incomum encontrarmos situações de prescrição, penas baixas e indeferimento de medidas protetivas. Mas nós não podemos dizer que a impunidade permanece como um dos fatores principais à prática da violência. O medo ainda é considerado o principal fator para as mulheres não romperem com as situações de violência. E além disso, a impunidade também é um fator de silenciamento das mulheres. Então, de um lado as mulheres permanecem em silêncio em razão da crença na impunidade, e os homens vão estar mais encorajados a praticar a violência”, avalia Sucasas.

Saídas

Em relação aos serviços públicos, há praticamente um consenso entre os brasileiros de que é preciso garantir proteção às vítimas que denunciam seus parceiros agressores.

Para especialistas, a Casa da Mulher Brasileira, concebida para atendimento humanizado às mulheres vítimas de violência doméstica, é um dos melhores modelos de enfrentamento à violência de gênero e proteção à mulher porque concentra todos os serviços primordiais às vítimas em situação de vulnerabilidade se for bem implementada e executada.

Atualmente, no Brasil, existem 30 casas da Mulher Brasileira em implementação, sendo nove já em fase de construção e sete em funcionamento. Entre os órgãos públicos que fazem parte da estrutura estão Polícia Civil, Defensoria Pública, Ministério Público, Polícia Civil e Tribunal de Justiça.

A oferta desses serviços em um só local evita que a mulher tenha que percorrer vários equipamentos de assistência e que sofra a revitimização durante o processo de pedido de ajuda.

Entre as mulheres, dar agilidade ao andamento das investigações, melhorar o atendimento das delegacias comuns para casos de violência doméstica e capacitar profissionais de saúde e assistência social para reconhecer e orientar vítimas também são medidas que estão no topo da lista das que devem ser adotadas para melhorar os quesitos de apoio e acolhimento, de acordo com o levantamento.

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