Foi num janeiro quente na capital gaúcha que o Fórum Social Mundial armou tenda para enfrentar a reunião do Fórum Econômico de Davos pela primeira vez. Era o ano de 2001, o Brasil estava no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, a seleção brasileira ainda era tetra e o 11 de setembro não estava riscado do calendário. O mundo era outro. Quinze anos depois, outra vez em um janeiro quente de Porto Alegre, a partir desta terça-feira (19), uma edição especial do Fórum Social Temático (FST) se prepara para discutir se outro mundo ainda é possível.
Por Fernanda Canofre Do Sul21
Oded Grajew hoje tem alguns fios brancos a mais na barba e no cabelo. Quando teve a ideia de criar o Fórum Social Mundial, em 2000, o empresário olhava intrigado para um mundo onde “o neoliberalismo era o caminho definitivo para o bem estar da humanidade”. As sucessivas crises financeiras mundiais mostraram que não era bem assim. “Hoje olho os 15 anos do FSM e sinto a gratificação de estar participando de um processo que contribuiu para promover articulações, formar redes e empoderar a sociedade civil a nível local e regional. Me dá a esperança que Um Outro Mundo é Possível”, conta ele.
Com o evento que começa esta semana, Oded estará reunido com nomes que fizeram a história do Fórum. Desde os petistas Tarso Genro e Olívio Dutra — respectivamente prefeito de Porto Alegre e governador do Rio Grande do Sul na época — a pensadores como Boaventura de Sousa Santos. Além deles, somam-se ainda sete ministros do governo federal, ativistas e representantes de movimentos sociais de diversos países.
Mais uma vez o debate do Fórum se centra em buscar alternativas ao sistema econômico vigente, mas dando destaque a outra pautas como democracia, economia solidária, mídia livre e educação.
Para Mauri Cruz, um dos organizadores do evento e membro do CAMP, o Fórum já não é o mesmo. As transformações, especialmente da América Latina, ajudaram a mostrar isso. “O que mudou de lá para cá? Antes tinham ideias, agora tem experiências concretas. Nossos sonhos não são só sonhos mais, são experiências”, explica ele.
Se nas primeiras edições, a programação trazia maioria de homens, brancos, europeus, agora as mesas têm diversidade abrindo espaço para mulheres, representantes LGBT, integrantes do movimento negro e indígenas. “Agora não é mais só para ‘iluminados’, o Fórum é o espaço dos protagonistas das causas”, analisa Mauri.
Mais de 470 atividades previstas
O Fórum Social Temático começa oficialmente na terça-feira (19), com sua tradicional Marcha de Abertura. Este ano, a Marcha carrega o lema: “Paz, democracia, direitos dos povos e do planeta”. A caminhada parte do Largo Glênio Peres a partir das 15h, segue pela Avenida Borges de Medeiros, e termina no Largo Zumbi dos Palmares onde acontecem os shows culturais de abertura. A organização espera 20 mil pessoas participando na Marcha.
Este ano, as causas do Fórum estarão espalhadas em 470 atividades, segundo a última programação divulgada. Alguns convidados esperados para o evento tiveram de suspender agenda de última hora, como é o caso do senador e ex-presidente uruguaio José “Pepe” Mujica e do sociólogo espanhol Manuel Castells. Ainda assim, a organização está trabalhando com média de público entre 8 e 10 mil pessoas por dia, circulando nos diversos pontos do evento.
As demais atividades do Fórum serão realizadas na Redenção (Parque Farroupilha) e no Auditório Araújo Viana, na Assembleia Legislativa e na Casa de Cultura Mário Quintana. Só o Parque da Redenção terá 20 tendas para abrigar atividades. As estruturas começaram a ser montadas na sexta-feira (15). Mesmo dia em que os primeiros participantes do Acampamento da Juventude, também ponto já tradicional dos Fóruns, começaram a chegar ao Parque Harmonia.
Para auxiliar no deslocamento dos participantes entre os pontos do FST, a Carris irá disponibilizar uma linha circular, com passe livre, durante os cinco dias do evento. A linha começará a funcionar às 8h30, na parada ao lado da Câmara de Vereadores, e seguirá até às 19h.
O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos – que diz ter Porto Alegre como sua segunda casa – acredita que a conjuntura do momento atual deve marcar o Fórum. “Há quinze anos estávamos mais otimistas e mais ofensivos nas conquistas que queríamos obter. Hoje estamos mais na defensiva devido aos ataques cada vez mais agressivos do neoliberalismo e da direita reacionária um pouco em todo o mundo. Temos de nos juntar para avaliarmos as nossas forças e para aprofundarmos a convicção que nem as vitórias nem as derrotas são irreversíveis”, declara ele.
Boaventura é também um dos organizadores do Fórum Social da Educação Popular, que inicia neste domingo (17), e é uma das atividades preparatórias do FST 15 anos. Esta será a primeira edição do encontro, que surgiu a partir do seu projeto da Universidade Popular dos Movimentos Sociais (UPMS).
Temas de ontem são fatos de hoje
Uma das 20 tendas montadas na Redenção servirá como espaço de memória para recordar a história de dez edições do Fórum Social Mundial. Mais do que isso, recordar o passado do FSM serve também para recordar que temas do passado, se tornaram fatos de relevância do presente.
Os temas pautados em 2001, na época do primeiro FSM – questões como meio-ambiente, gastos com guerras, a insustentabilidade do capitalismo também para o 1º mundo – agora estão ainda mais em evidência.
“[Naquela época], não era claro as causas e consequências das mudanças climáticas. Hoje sabemos que são produto de ações humanas e sabemos dos enormes riscos que representam para a espécie humana”, recorda Oded Grajew. “O tema ambiental ganhou enorme relevância assumindo com muita força a agenda socioambiental. A lado das tradicionais organizações sociais e sindicais surgiram inúmeras pequenas organizações e redes”.
Na atual conjuntura da América Latina, onde o neoliberalismo volta a apontar, a volta do Fórum a Porto Alegre depois de 15 anos – ainda que em uma edição temática e local – parece ser em boa hora. Como diz Boaventura de Sousa Santos: “O papel do Fórum é defender a democracia nas instituições e nas ruas contra o golpismo da direita reacionária que sempre se habituou a ser democrática só e apenas quando a democracia serve os seus interesses”.
Nestas tendas, a democracia sempre teve um conceito mais alargado.