Desabafo: Não quero ser “a mulher”

Não!

por Ana Nery Correia Lima, 

Eu não quero ser “a mulher”

Não quero ser mulher de 30 que as pessoas pensam por aí… decidida, livre, que sabe de si, madura, independente… não quero caber nesse estereótipo.

Não quero ser a mulher que transpira seriedade, força, autoconfiança e autossuficiência – não preciso caber nesse estereótipo.

Não preciso e não quero ser vista como aquela que tudo suporta porque é mulher, que aguenta o tranco das coisas porque “todas as mulheres” são assim; por que já viemos “programadas” para sofrer e aguentar o sofrimento.

Não quero ser a mulher de 30 que sabe de si, que decide tudo, que dá linha nas coisas, nas relações, nas escolhas mais simples e nas mais difíceis também.

Não quero ser a mulher que administra trabalho, amizades, família, filhos, filhas e, que ainda sim, cuida do corpo para envelhecer com qualidade de vida e prazer, como nos mostra a televisão, as revistas femininas e as propagandas que nos bombardeiam todos os dias.

Não quero ser a mulher que todos os homens desejam, que transpira sensualidade, que está sempre na moda, na onda do momento. A mulher cujo corpo apresenta um molde que certamente não é o meu.

Não quero, nem preciso ser a mulher dos múltiplos orgasmos, das incansáveis noites de sexo. A mulher que deixa os homens de queixo caído pelo desempenho sexual e que conversa sobre futebol para agradar o parceiro; que não sente ciúmes porque é segura, que é desencanada e descolada.

Também não preciso ser vista como a frágil que já tem idade para ser madura e ainda apresenta aspectos de “menina”, a menos forte que os homens, a mais delicada, mais meiga, mais doce, aquela que já nasce com o “instinto materno” e que por isso é bondosa e compreensiva por natureza.

Também não quero, nem pretendo, ser apontada como a mulher que já tem 30 anos e ainda não tem um relacionamento fixo, planos para ter filhos, filhas, uma família formada e bela, como a dos comerciais de margarina.

Esses estereótipos, essas pressões externas, esse modelos, precisam falar por nós?

Se perceber como uma sujeita marcada pelo gênero, pelo sexo, pela raça, classe, e tantas outras identidades numa sociedade de supremacia branca, cristã, eurocêntrica, cissexista, machista, heterosexista e heteronormativa é transitar por estereótipos, ser classificada, taxada, nomeada, reificada constantemente.

Será possível transitar por caminhos que tenham como princípio um certo livre-arbítrio conquistado a duras penas? Conquistas alcançadas com sacrifício, a partir de nossas próprias críticas, ressignificações, mortes, lutas ancestrais…

Será possível ter liberdade de escolher não estar, ou não querer, se enquadrar nos estereótipos que produzimos e que queremos destruir ao mesmo tempo?

Será que temos, de fato escolhas, nessa sociedade falocêntrica?

Quero poder ter a liberdade ou pelo menos poder de escolha de ser quem eu gostaria de ser, a partir das condicionantes sociais que me foram dados, mas que a minha subjetividade permite também interferir. Quero poder escolher ser uma mulher que talvez caiba em um dos estereótipos citados acima, mas desde que eu decida por ser assim e arque com os sabores e dissabores da escolha pretendida.

Quero não ser julgada por fazer certas escolhas, optar por não corresponder expectativas exteriores e que isso não afete minha autoestima.

Algumas de nós, numa sociedade de supremacia branca ainda conseguem ter mais poder de escolhas.

Algumas de nós, numa sociedade heteronormativa, ainda conseguem ter mais poder de escolhas.

Algumas de nós, numa sociedade classista, ainda conseguem ter mais poder de escolhas.

Algumas de nós, numa sociedade cissexista, capacitista, cristã ainda conseguem ter mais poder de escolhas.

Quero que não sejamos julgadas, classificadas ou decodificadas de formas distintas gerando exclusão dentro de exclusões, por sermos marcadas pela raça, classe, territorialidade ou orientação sexual.

Quero poder decidir me refazer ou ressignificar à medida que for me conhecendo cada vez mais.

Quero ter o poder de decidir sobre mim, por mim e para mim!

Ser construída mulher e poder (re)construir-se, numa realidade tão complexa e paradoxal, produtora de contradições e diversidades múltiplas como a nossa é poder experenciar uma possível liberdade de ser…

—–

Ana Nery, 31 anos, andarilha, cearense que mora em São Luís do Maranhão. Militante do Movimento Negro e do Movimento de Mulheres; Graduada em Ciências Sociais e mestranda também em Ciências Sociais.

 

Fonte: Blogueiras Feministas

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