Desenhos contra o racismo

Premiado com o Eisner e o Jabuti, o quadrinista Marcelo D’Salete se consagra ao tratar histórias do período escravista no Brasil

Por Fernando Lavieri, no ISTOÉ

 

HISTÓRIA Obras de Marcelo D’Salete resgatam episódios da experiência afro-brasileira (Crédito: Thiago Bernardes)

 

Era apenas um garoto que gostava de desenhar, morador de São Mateus, zona leste de São Paulo. Marcelo D’Salete fez seus primeiros traços ainda criança, com a ajuda do irmão mais velho. Quando adulto, percebeu que sua arte poderia — e deveria — ser usada para fazer críticas ao racismo. “Passei boa parte da minha formação sem acesso a este tipo de conhecimento, nem nos livros. Pelo contrário, quase todas as menções sobre cultura, arte e história negra sempre passavam pelo exotismo, preconceito e subalternidade”, diz. Hoje, professor e ilustrador, quadrinista e mestre em história da arte, D’Salete se consagra no Brasil e internacionalmente. Neste ano, conquistou o Eisner, maior premiação literária da categoria de quadrinhos no mundo, com o livro “Cumbe”. “Ganhar esse prêmio por contar minhas histórias é algo imensurável”, diz ele. Seu trabalho também foi reconhecido pelo Jabuti, que o premiou por “Angola Janga — Uma História de Palmares”. Os dois, “Cumbe” e “Angola Janga”, foram aprovados no PNLD (Plano Nacional do Livro Didático). Assim, passam a fazer parte das leituras obrigatórias dos alunos do ensino médio. “O essencial é a pluralidade artística, subverter uma lógica de opressão e invisibilidade”, diz.

Por meio de seus desenhos, D’Salete apresenta quatro histórias do Quilombo dos Palmares, principal polo de resistência à escravidão. A narrativa é contada pela perspectiva dos escravos e se passa na então Capitania de Pernambuco, hoje um local preservado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que considera o Parque Memorial Quilombo dos Palmares como Patrimônio Histórico, Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, situado no Estado de Alagoas.

O Quilombo dos Palmares teve seu apogeu na segunda metade do século XVII, e resistiu por mais de 100 anos às investidas da Coroa Portuguesa. Apresentou ao Brasil a figura máxima de Zumbi, e a data de sua morte, 20 de novembro, tornou-se
o dia da Consciência Negra.

 

“Angola Janga consumiu 11 anos entre estudos e criação artística” ilustração de Marcelo D’Salete, quadrinista

 

Em exposição

Em homenagem ao reconhecimento mundial do artista e em comemoração ao mês da Consciência Negra, o Museu Afro Brasil recebe a exposição “Marcelo D’Salete — A História Negra em Quadrinhos”. São originais de seus livros, incluindo “Encruzilhada”, lançado em 2011, e “Noite Luz”, de 2007, além dos prêmios que conquistou, que ficam em cartaz em São Paulo até o dia 24 de fevereiro. Caminhando pelos corredores do museu é possível entender o processo criativo do desenhista, da concepção original da ideia ao produto final.

Apesar de ter conquistado muito, Marcelo D’Salete diz que não pretende viver apenas colhendo os louros de glórias passadas. “Quero continuar meu trabalho, fomentar o debate. Nesse contexto político de crise, devemos nos posicionar contra o racismo,
a favor dos professores e dos trabalhadores mais pobres”, afirma o autor.

 

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