Dia a dia com o machismo – Por: Caroline Dalvi

“Ela acordou cedo, já sentia os efeitos físicos da menstruação, cólica desde a noite anterior, que não tinha sido a mais bem dormida. Mas levantou. Afinal, ir à academia já virara questão de satisfação social, bastava não ir um dia para ser bombardeada por imagens que saltavam nas redes sociais: “no pain, no gain”, “tem que queimar as gordices do fim de semana!”, “se não dói não funciona”, “sem esforço não há resultado”, “não há desculpas para sua preguiça”, “seu corpo é resultado de suas atitudes”. Foi malhar.

Como resultado dos exercícios físicos a pressão arterial havia baixado um pouco, mas precisava trabalhar. Ao colocar a calça jeans sentiu os efeitos do inchaço, mas saiu de casa com a desconfortável peça de vestuário assim mesmo, diziam ser mais profissional ir de calça, chegaram a lhe dizer que era item essencial. Afinal, não era desejado que chamasse a atenção.

Sempre tentava parecer um pouco mais velha, a profissão que escolheu tinha uma relação de estereótipo intenso para as mulheres. Se pelo gênero já era subjugada, a juventude não lhe trazia grandes vantagens. O que poderia ser sinônimo de vigor, novas ideias, abordagens e pontos de vista inovadores, perante terceiros não era interpretada dessa forma.

Havia cansado de responder que não era filha de seu chefe. Não, não era estagiaria e não, não era a secretária. De patricinha a incompetente, estava exausta de receber julgamentos baseados em sua aparência, vestuário, graduação, idade ou tom de voz, mas todos os dias se esforçava. Quem sabe um dia seria apreciada unicamente pelo seu trabalho e competência.

 

Mulheres aguardam o metrô no Distrito Federal. Foto de Mary Leal/Agência Brasília.

Aquela altura, a dor de cabeça já afetava seu raciocínio e dirigiu-se pra casa. No caminho a pé viu um senhor de bastante idade montado em uma bicicleta se aproximando. O que parecia uma figura inocente, ao passar por ela desferiu uma frase indecorosa qualquer que não pôde escutar por completo, mas definitivamente havia escutado a palavra “buceta” no que aquele senhor pensava ser um elogio. Desacreditada de que aquela pessoa pudesse ter realmente falado algo assim, virou-se para checar se tinha escutado certo, mas tudo que pode ver foi o homem encarando-a como um objeto.

Conseguiu chegar a sua residência, mas não sem antes ouvir uma buzinada e um rapaz desconhecido que gritou um “que loirinha!” de longe. O rapaz acha que deixará a destinatária da exclamação lisonjeada por informa-la a cor de seus cabelos em um tom de voz supostamente sedutor.

Disposta a ignorar os aborrecimentos do dia, com uma fome voraz dirigiu-se a cozinha. Enquanto preparava um sanduíche, pensando na felicidade que seria satisfazer-se em uma montanha de carboidratos, foi subitamente questionada por sua mãe se não seria melhor comer algo mais leve, “você anda comendo muito”, disse ela. Não era de hoje que a genitora tinha o costume de vigiar a silhueta da filha, bem como o número de refeições que ela fazia.

Desmotivada e cansada, a jovem preferiu tomar um banho e deixar a comida de lado. Porém, deparou-se com a irmã no corredor que logo a questionou: por que razão tinha o cabelo tão desgrenhado e as unhas tão mal feitas? Antes que pudesse responder qualquer coisa foi surpreendida por um grito que veio do cômodo ao lado, conhecia bem a voz de sua avó, que finalizou o dia com a velha observação: “É POR ISSO QUE NÃO ARRUMA NAMORADO”.

Fonte: Blogueiras Feministas

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