Dia da Mulher: educação social auxilia no combate à violência de gênero

No Dia da Mulher, os números mostram a realidade cruel de relacionamentos amorosos que, com o tempo, caminharam para a violência. Segundo a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF), de janeiro a fevereiro deste ano, 2.534 vítimas de violência doméstica procuraram a polícia para denunciar os agressores. Embora os casos apresentem redução superior a 10% em relação a igual período de 2020, especialistas analisam a necessidade de uma educação social para mudar essa realidade.

“O que eu passei não desejo para ninguém. Enquanto era espancada e chutada naquele chão, pensei que ia morrer.” Esse é o desabafo de Simone*, 29 anos, uma das 11 vítimas de tentativa de feminicídio deste ano. Depois do crime, o homem, 30 anos, fugiu e, até o fechamento desta edição, não havia sido preso.

Simone iniciou um relacionamento com Sérgio*, em 2016, marcado por momentos de carinho. Apaixonada, a jovem casou-se, mas, debaixo do mesmo teto, o comportamento do companheiro passou a ser abusivo.
“Eu não podia ver minha família, não tinha direito nenhum. Passei a ser afastada do convívio com minhas amigas e até da minha filha, fruto de um relacionamento anterior”, lembra.

O primeiro episódio de agressão física ocorreu em 2018. “Em meio a uma discussão por ciúmes, ele me bateu. Não procurei a polícia. Estava apaixonada e cega. Não escutei os alertas da minha família e decidi reatar, com a promessa de que ele mudaria”, conta.

Mas Sérgio não mudou. “E a violência só aumentou. No segundo episódio, em 2019, eu estava grávida de dois meses. Precisava de repouso absoluto, era uma gestação de risco. Mas o Sérgio não respeitava e me estressava diariamente, até que, um dia, tive um sangramento. Ele não quis me levar ao hospital e me empurrou. Perdi o meu neném”, conta.

Na última agressão, em fevereiro deste ano, Simone tinha uma medida protetiva. Mesmo assim, o criminoso foi à residência da vítima, arrebentou o portão e ordenou que lhe desse R$ 300 para pagar uma dívida de drogas. “Ele trancou a porta e passou a me espancar. Consegui contar até o terceiro soco, depois perdi as forças”, relata a vítima. A agressão só parou após Simone receber a ajuda de vizinhos, mas o agressor fugiu.

Professora do serviço social da Universidade Católica de Brasília (UCB), Adelina Almeida de Araújo explica que sair de um quadro de violência, em geral, dura de 10 a 12 anos. “Essa situação acorrenta as mulheres. Geralmente, depois das agressões, o homem pede perdão, faz juras, justifica que não acontecerá novamente. Isso se repete até que o tempo de uma agressão a outra se torne cada vez mais curto e essa violência, mais grave”, explica.

Para Adelina, é essencial melhorar as políticas de proteção e auxílio à mulher, além de incentivar que novas ações. “A questão emblemática na nossa sociedade é o machismo estrutural. É preciso quebrar o silêncio que encobre a sociedade e o Estado”, diz.

Roberta de Ávila, responsável pela Subsecretaria de Atividade Psicossocial (Suap), defende que é necessário grupos reflexivos para homens autores de violência com o objetivo de diminuir a reincidência desses casos. “É necessário também um estudo da masculinidade e de reflexão para os homens, para ser avaliada essa questão estruturante dos estereótipos de gêneros”, pontua.

Os grupos reflexivos abordam assuntos importantes para reestruturar e modificar o pensamento do homem. “Os homens que participam desse grupo geralmente não reincidem em casos de violência, e a maioria multiplica isso nos seus espaços de convivência”, frisa.

Este mês, a Secretaria de Segurança Pública lança o Dispositivo de Monitoramento de Pessoas Protegidas (DMPP) para vigiar autores de violência doméstica e garantir a segurança das vítimas. O projeto piloto conta com cinco mulheres, que terão à disposição, inclusive, um novo Centro Especializado de Atendimento à Mulher (Ceam), localizado no Centro Integrado de Operações de Brasília (Ciob). “A ideia é que a vítima não receba apenas a proteção do dispositivo, mas o atendimento psicossocial específico para o tratamento desse momento de vulnerabilidade”, explica Éricka Filippelli, secretária de Estado da Mulher.

*Nomes fictícios para resguardar a identidade da vítima

» Onde pedir ajuda?

Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência
Telefone: 180 (disque-denúncia)

Disque 100 — Ministério dos Direitos Humanos
Telefone: 100

Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam)
» Entrequadra 204/205 Sul
(61) 3207-6172

Centro de Atendimento à Mulher (Ceam)
» De segunda a sexta-feira,das 8h às 18h
» Locais: 102 Sul (Estação do Metrô), Ceilândia, Planaltina

Programa de Prevenção à Violência Doméstica (Provid)
Telefones: (61) 3910-1349/1350

 

+ sobre o tema

Contra o preconceito. Até nas minorias

A luta principal continua sendo combater o preconceito no...

Raça e gênero influenciam avaliação sobre a liderança

Líderes mulheres que atuam de forma dominante enfrentam reações...

Mulheres representam quase metade da população rural brasileira

Mais de 14 milhões de brasileiras vivem fora dos...

para lembrar

spot_imgspot_img

Câmara aprova criminalização de nudes de mulheres gerados por IA

A Câmara dos Deputados aprovou, nesta quinta-feira (7), projeto de lei que criminaliza gerar, com inteligência artificial, imagens de mulheres em situações de intimidade ou...

Evitar sair à noite, compartilhar localização: maioria das mulheres adota medidas para driblar insegurança no Brasil, diz pesquisa

Oito em cada dez mulheres que vivem no Brasil adotam estratégias de segurança no cotidiano para se deslocarem em suas cidades, aponta uma nova pesquisa...

Mulherada equilibrista

É na corda bamba da violência extrema e da luta por direitos que se equilibram meninas, jovens e mulheres no Brasil e mundo afora....
-+=