Dia das Domésticas: para trabalhadoras PEC representou conquista, mas regulação precisa avançar

No Dia Nacional da Trabalhadora Doméstica, profissionais da área apontam avanços e obstáculos ao cumprimento da lei

O dia 27 de abril marca o Dia Nacional da Trabalhadora Doméstica e os dez anos da chamada PEC das Domésticas, a Emenda Constitucional 72, garantiu que o trabalho doméstico fosse igualado às demais categorias inseridas no código de leis trabalhistas (CLT). Dessa forma, a categoria passou a ter direito a benefícios como o 13º salário, salário-maternidade, auxílio-doença, auxílio-acidente de trabalho, pensão por morte e aposentadoria por invalidez, idade e tempo de contribuição, entre outros. 

Mas a luta para que esses direitos fossem conquistados foi longa. As condições precárias de trabalho fizeram e ainda fazem parte da vida de milhares de mulheres. A história da trabalhadora doméstica Damares Aires Paz, 55 anos, é um exemplo disso. 

Nascida no interior de Sorocaba, ela tinha apenas 10 anos quando foi trazida pela patroa à capital paulista para trabalhar como babá. O pagamento? Um lugar para morar e alimentação. Aos 13 anos, começou a também faxinar a casa dos patrões. Foi só aos 16 anos que pôde finalmente começar os estudos. 

Mesmo sofrendo abusos morais de seus patrões, a situação de extrema pobreza vivida pela família no interior fazia com que Damares continuasse na cidade para não prejudicar a sua mãe, que sustentava outras quatro crianças. Na casa da família da capital paulista, a jovem Damares tinha que se adaptar às regras. “Você come pouco, porque se você comer muito é falta de educação. O que me entristecia era a falta de estudo. Eu não via chegar o dia de eu ir pra escola.”

“Eu acho que a minha história faz parte dessa luta, porque como eu tinham muitas, sempre da classe mais pobre”, diz Damares. (Foto: Iolanda Depizzol)

Aos 16 anos, Damares recebeu o primeiro salário, a quantia correspondia ao que hoje é em média R$ 50,00. O pagamento foi entregue à mãe, que achou que o valor era apenas uma parte dos ganhos de Damares. “Eu coloquei no envelope e escrevi uma carta, enrolei o dinheiro na carta e mandei tudinho pra minha mãe”, disse. “Ela mandou uma resposta dizendo: ‘eu sei que você está melhor do que todo mundo. Eu sei que você está bem de vida, que você está ganhando muito bem’. Eu mentia para ela nunca me buscar, se ela viesse me buscar a situação iria voltar à pobreza de novo.”

Hoje, Damares faz parte do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Município de São Paulo, onde trabalha no setor de atendimento. A trajetória dela reflete a de milhares de outras trabalhadoras que passaram décadas sem nenhum direito garantido. “Eu acho que a minha história faz parte dessa luta, porque como eu tinham muitas, sempre da classe mais pobre. Se ela for negra então pronto, aí o pacote está completo. Hoje é uma categoria mais fortalecida e reconhecida, mas não foi sempre assim, a gente saiu da escravidão para ser trabalhadora doméstica.”

Os avanços na regulamentação do trabalho doméstico e os desafios ainda impostos à categoria foram temas debatidos pelo Congresso nas últimas semanas. Em audiência pública no Senado, a auditora fiscal do Trabalho, Marina Cunha Sampaio informou que no Brasil são quase 6 milhões de trabalhadores e trabalhadoras domésticas. Destes, mais de 92% são mulheres e 65% são negras. 

Ainda assim, segundo ela falta regulamentação. “Outra questão importante que diz respeito ao Ministério do Trabalho, na inspeção do trabalho é a ausência e a necessidade de uma norma regulamentadora que trate dos riscos da atividade do trabalho doméstico para a saúde e para a segurança do trabalho, da categoria das trabalhadoras domésticas.”

Cunha também chamou a atenção para a discriminação em relação a concessão do seguro desemprego. “Para as trabalhadoras domésticas existe um limite de concessão do seguro desemprego, um limite de três parcelas fixas no valor de um salário mínimo e com o prazo de requisição de 190 dias, enquanto que os demais trabalhadores têm direito de até cinco parcelas com valores variáveis e superiores sendo permitida a requisição no prazo de sete a 120 dias após a demissão involuntária”, aponta a profissional. 

“É uma diferença de tratamento, um prejuízo a essas trabalhadoras e sem justificativa, o que configura uma prática discriminatória por parte do nosso país”, conclui.

Além da discriminação e dos obstáculos para a consolidação dos direitos das trabalhadoras domésticas, os dados mostram que o número de profissionais formalizadas vem caindo. De acordo com do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) o número de profissionais do trabalho doméstico sem carteira assinada subiu de 4 milhões em 2013, ano de promulgação da PEC, para 4,3 milhões no ano passado. Outro ponto destacado pela auditora foi a existência preocupante do trabalho escravo doméstico em pleno século XXI.

Diante disso, Diana Garcia, diretora do departamento de imigrantes e indígenas do Sindicato das Trabalhadoras Domésticas do Município de São Paulo aponta que muitos patrões burlam as regras. “Às vezes tem a patroa que paga um valor na carteira e dá por fora outra quantidade, só que não conta. E algumas meninas às vezes não reclamam porque têm medo de perder o emprego.”

“Às vezes têm a patroa que paga um valor na carteira e dá por fora outra quantidade”, diz Diana. (Foto: Iolanda Depizzol)

Na visão de Damares, a PEC das Domésticas e a lei complementar 150/2015 mostraram ao mundo que o trabalho doméstico no Brasil é uma categoria como qualquer outra. “A gente mostrou ao mundo uma categoria, que é profissional, é um trabalho essencial, um trabalho que gera lucro a partir do momento que a Caixa Econômica está trabalhando com nosso fundo de garantia. A gente não quer ser mais, a gente não quer ser menos, a gente quer estar lado a lado.”

Confira a reportagem completa: 

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