Dia Internacional da Mulher – Sabiam que no Brasil existem Delegadas Afrodescendentes?

Dia 8 de março é o Dia Internacional da Mulher. Mas para a mídia perversa praticada nesse país, hoje também é um dia como outro qualquer, e por isso, propício à prática do racismo institucionalizado e impunemente escancarado.

É esse racismo que faz com que a minha neta e suas coleguinhas negras, todas na faixa inicial da adolescência vivam sonhando com os cabelos alisados e adotem como ídolos, bandas formadas por garotos invariavelmente de pele clara ou brancos e/ou cantores garotos invariavelmente de pele clara ou brancos. Elas passem ao largo de programas nos quais os heróis e heroínas são negros como elas e como nós, a exemplo da série “True Jackson” (com a jovem atriz negra Keke Palmer, mesmo usando o cabelo alisado como  as meninas Obama), ou da série “Todos odeiam o Cris” (com o jovem ator negro Tyler James William). Desnecessário exteriorizar o quanto isso me irrita e preocupa . Essas opções negras estão acessíveis hoje, graças aos nossos esforços e a TV a cabo, diferentemente da minha época, quando tive que aprender o idioma Inglês, a custa da minha revolta e iniciativa pessoal, para poder ler a revista americana “Ebony”(Ébano),produzida e dirigida  ao público afrodescendente dos Estados Unidos da América, que conseguia emprestada da biblioteca da Associação Cultural Brasil Estados Unidos, ACBEU.

Aí, como físico profissional, enxergo a ação compactante de um binário (mecânico) social (como um saca-rolha, ou um acionador do moinho de cana-de-açúcar, que era movido pelos nossos avós), pressionando o racismo contra o seio da nossa sociedade, racismo esse que não canso de denunciar. Vejam como age esse binário, analisando o exemplo do  programa diário “Mais Você” :

Um lado do binário: Estou tomando o café da manhã e assistindo a TV, observo que o programa “Mais Você” (?), apresentado pela Ana Maria Braga, exibe uma matéria sobre a “delegada da moda”, a “Delegada Helô”, de uma novela da Globo. E marcha rumo à ampliação do espectro da matéria, apresentando candidatas ao cargo de delegada de polícia, e a “DeleGatas”(olha a moda tendenciosa). Dentre as candidatas não se viu (pelo menos eu não ví) nenhuma afrodescendente.

O outro lado do binário: Nesse mesmo programa da Ana Maria Braga, aparece o quadro: “Missão Impecável, onde a Cacau Protásio (a Zezé da novela “Avenida Brasil”) volta com dicas úteis sobre como retirar adesivos de vidros sem colocar suas unhas em risco. Aquele restinho de cola, que costuma não sair de jeito nenhum, vai tomar outro caminho. Não perca!”. E a marcha do eixo desse binário avança na direção da consolidação do status quo racista, resumido pela máxima:

O lugar d(o)a afrodescendente é na cozinha e adjascencias”

.

É esse o “apartheid” institucionalizado midiático guardião da manutenção desse status-quo “normal e regulatório” desse universo cosmético de “caras e bocas” que impõe o tom do “viver Brasil”, nessa nossa república luso-greco-romano-católica-neopentecostal-afro-tupiniquin (Salve Jorge! ou melhor, Oke aro, Oxóssi!). Aí, fico mais preocupado ainda com minhas filhas, e minha neta, que, para se candidatarem ao cargo de delegada, já carecem do pré-requisito fundamental ditado veladamente pela norma imperial da mídia: a pele clara, ou “melhor ainda”, a pele branca. Não, por favor, não me venham pelos caminhos regulares, refutar esse meu argumento fazendo referencia a equidade e imparcialidade dos concursos públicos,pois afinal, já não estamos mais no tempo em que a Dra. Luislinda Valois, mesmo sendo classificada em primeiro lugar no Concurso do DNER, ao queal se submeteu,teve que ceder a sua vaga para alguém dotado de “atributos mais convincentes”(?).Vamos partir do ponto em que nós acreditamos que não estamos mais naquele tempo (!?).

Mas, aqui nesse texto, a referencia que faço é a predisposição programada subjacente aos movimentos da sociedade no seu dia-a-dia e a inspiração nefasta que orienta a eugenia inconsequente embutida no “esforço” pela realização do sonho de Getúlio Vargas, expresso muito claramente, através da Lei de Cotas de Imigração de 1934. Aliás, era o próprio Vargas,quando ainda era candidato em 1930, que afirmou em um discurso:

“Durante muitos anos, encaramos a imigração exclusivamente sob os seus aspectos econômicos imediatos; é oportuno entrar a obedecer ao critério étnico, submetendo a solução do problema do povoamento às conveniências fundamentais da nacionalidade” (Solução questionável, 2010).

Era importante àquela época a “continuidade da política do branqueamento”. Afinal, Vargas e setores das elites brasileiras estavam convencidos de que a composição étnica “não branca” de boa parte dos brasileiros explicaria o atraso e as dificuldades do país (Solução questionável, 2010). Esse é o “mindset” subjacente a invisibilidade característica do afrodescendente, seja qual for seu setor de atuação na sociedade brasileira. Daí para as “Delegadas da moda, bandidos da moda, motoristas da moda,.. da moda, da moda”, não se torna necessário qualquer exercício de criatividade ou de respeito aos povos cujos avós trabalharam de graça e/ou morreram no tronco, sob o açoite das chibatadas dos capitães do mato e dos capatazes a serviço dos avós dos que, hoje, ainda detém o poder.

É contra esse estado de iniquidade e covardia institucionalizada que trago aqui o exemplo, de pelo menos, uma delegada negra:  a Dra. Vilma Alves, a Delegada Titular da Delegacia da Mulher de Teresina, que sempre foi figura conhecida no estado do Piauí. Mulher negra e a primeira nesta condição a ocupar um cargo de polícia no Estado. Antes dela, nem homens negros existiam na instituição. Já foi vereadora de Teresina e também tem experiência como professora o que segundo ela, ajuda bastante no posto de delegada e na metodologia adotada nessa profissão, que requer pulso firme com alguns homens agressores e na conscientização destes antes de agredir.

Conheço algumas delegadas afrodescendentes em Salvador, as quais já estão aposentadas. Sugiro ao Correio Nagô considerar matérias assinalando que temos delegadas afrodescendentes, para demonstrar de fato as nossas jovens afrodescendentes que elas podem vir a ser delegadas de polícia e que essa função não está restrita as mulheres de pele clara ou brancas.

Esse “post” é uma homenagem as minhas quatro mulheres: Minha esposa Solange, minhas filhas Maria das Graças e Silvana, e minha neta Ludmila. A elas, aqeulas que estou citando aqui em uma série que iniciei ontem, com a Dra. Arany Santana, e a todas as demais . Feliz Dia Internacional da Mulher!

Referencias

  1. No Dia Internacional da Mulher, Ana invade o guarda-roupa da Delegada Hêlo; Acesso:http://tvg.globo.com/programas/mais-voce/O-programa/noticia/2013/03… (acessado em 08/03/2013);
  2. 1ª Juíza negra do Brasil Luislinda Valois; Acesso: http://conexaoafro.wordpress.com/2011/07/23/1-juiza-negra-do-brasil…(acessado em 08/03/2013);
  3. Solução questionável: O controle de estrangeiros durante o Estado Novo…; Revista da História: Acesso:http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/selecao-questionavel (acessado em 08/03/2013);
  4. Delegadas negras ganham homenagem; Noticia; Secretaria de Segurança Pública: Acesso:http://www.ssp.ba.gov.br/noticias/homenagens-na-camara-para-delegad… (acessado e m 08/03/2013);
  5. “Sou negra e apaixonada por mim mesma”, Delegada Vilma Alves ao Correio Nagô; Acesso: (acessado em 07/03/2013);
  6. Imagem Eloi virtual: blogelovirtual.blogspot.com Acesso: (acessado em 08/03/2013).

Fonte: Correio Nagô

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