Celebramos hoje, 20 de novembro, o Dia Nacional da Consciência Negra, iniciativa que em 2003 passou a fazer parte do calendário escolar – até ser oficialmente instituída em âmbito nacional em 2011. Atualmente, é feriado em cerca de mil cidades em todo o país e faz referência também à morte de Zumbi dos Palmares, em 1695. Uma oportunidade para discutirmos garantia de direitos, combate ao racismo e igualdade racial.
Do Gife
O racismo fere todo e qualquer exercício da cidadania e o acesso democrático ao desenvolvimento de pessoas e comunidades. É tarefa de todos – governo, empresas e sociedade em geral – atuar para neutralizar os efeitos da discriminação racial. E isso está na Constituição Federal de 1988, quando, pela primeira vez na história do país, foram definidos caminhos legais para a superação do racismo e das desigualdades.
E é pensando no combate das igualdades que surge o conceito das “políticas de ações afirmativas”, ou, de acordo com a publicação do IPEA ‘A Construção de uma Política de Promoção da Igualdade Racial: uma análise dos últimos 20 anos’, “medidas que surgem para superar as expressões contemporâneas do racismo e da discriminação racial, e também para reparar os fatores que impediram a plena emancipação da população negra no período pós-abolição”.
Em um momento tão delicado do país, quando o assunto ganha projeção no noticiário diário, se torna fundamental trazer luz a iniciativas ligadas à causa. Em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, Neca Setubal, presidente do conselho do GIFE e Sueli Carneiro, doutora em Educação e fundadora do Geledés Instituto da Mulher Negra, chamam a atenção para o tema.
“A construção de uma sociedade mais justa passa, necessariamente, pelo enfrentamento das desigualdades educacionais. E, como apontado recorrentemente por estudos e pesquisas, a busca por essa equidade está diretamente relacionada à temática racial. […] Nesse contexto, as instituições que atuam no campo social do investimento privado precisam ousar e trabalhar para inserir a equidade racial em suas pautas”, destacam.
A afirmação das duas autoras do artigo ganha eco na fala da advogada Luana Vieira, assessora técnica do gabinete da Secretaria Nacional de Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial. Ela reforça que também é importante olhar para dentro das instituições. “As organizações públicas e privadas precisam se engajar mais na busca por igualdade racial em seus quadros.”
Luana, que é negra, nascida em uma comunidade chamada Campo do Pitangui, uma favela de Belo Horizonte, fez parte da primeira geração de cotistas da universidade onde se graduou. Hoje, além de atuar no Governo Federal, milita em outros campos. “Em uma sociedade justa e democrática é inaceitável que desigualdades surjam em decorrência de diversidades inerentes aos seres humanos, como raça ou cor da pele. Para mim, o dia 20 deveria ser comemorado o ano inteiro. A consciência negra deve existir 356 dias por ano”, conclui.
Letras pretas
Em sua edição de 2017, o já consagrado Festival do Livro e da Literatura de São Miguel, iniciativa da Fundação Tide Setubal, decidiu discutir o racismo e a luta pela equidade racial na produção literária. O tema do ano foi “Letras Pretas: poéticas de corpo e liberdade” e ocupou uma série de bibliotecas, praças, espaços culturais e escolas no bairro da região Leste de São Paulo.
Inácio Pereira, coordenador do festival, chama a atenção para o papel de instrumento de mediação que a literatura exerce para fazer com que a sociedade discuta temas importantes. “Desde 2015 percebemos que o país passa por um momento de forte intolerância e ausência de escuta e diálogo, além da crise institucional que vivemos. Nesse sentido, a literatura, e o festival em si, ajudam a disparar discussões contemporâneas, como é a questão de igualdade de gênero [tema de 2016] e a questão racial e a literatura negra.”
O coordenador lembra a fala da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie. “Precisamos discutir representatividade, não podemos aceitar uma história só, apenas uma perspectiva. E hoje sabemos que o espaço da literatura negra é pequeno e os personagens negros têm sempre o mesmo destino, geralmente trágico”, analisa.
Inácio toca nesse assunto lembrando que 94% dos escritores brasileiros publicados pelas três maiores editoras do país são brancos, de acordo com dados do IBGE. “Precisamos falar sobre isso. A literatura é uma das bases da construção simbólica – até porque tende a virar outros produtos culturais como peças de teatro, filmes para o cinema e programas para a televisão”.
Os personagens também são, em sua maioria, brancos – mais precisamente 92%, como aponta estudo da pesquisadora Regina Dalcastagnè. Nesse sentido, o festival foi uma oportunidade de discutir e desconstruir essa narrativa social. “Foi uma experiência maravilhosa, muito bem recebida pela comunidade, de propor uma ocupação dos espaços, públicos e simbólicos”, finaliza. A expectativa – os dados ainda estão sendo contabilizados – é que mais de 15 mil pessoas passaram pelo festival.
Violência contra a juventude negra
Dentre os diversos pontos que compõem a temática dos direitos da população negra, a violência contra a juventude é uma triste realidade e questão de primeira ordem a ser discutida. A cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado no país, de acordo com a CPI do Senado sobre o Assassinato de Jovens de 2016. Para sensibilizar a sociedade sobre o tema, a ONU Brasil lançou neste mês de novembro uma campanha pelo fim da violência contra a juventude negra.
A iniciativa, ligada à Década Internacional de Afrodescendentes, envolve os 26 organismos da equipe da ONU no país. O objetivo é sensibilizar diversos atores – entre eles gestores públicos, sistema de Justiça, setor privado e movimentos sociais – a respeito da importância de políticas de prevenção e enfrentamento da discriminação racial.
“O Brasil é um dos 193 países comprometidos com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Um dos principais compromissos dessa nova agenda é não deixar ninguém para trás em relação às metas de desenvolvimento sustentável, incluindo jovens negros. Com a campanha Vidas Negras, a ONU convida brasileiras e brasileiros a se engajarem e promoverem ações que garantam o futuro de jovens negros”, comenta o coordenador residente da ONU, Niky Fabiancic.
Várias personalidades ligadas ao movimento negro participam da iniciativa. Entre elas, Érico Brás, Taís Araújo, Kenia Maria, Elisa Lucinda e o Dream Team do Passinho. A campanha é a principal ação do Sistema ONU Brasil no mês da Consciência Negra.
Novembro Negro
A Ação Educativa, protagonista em diversas causas, acaba de anunciar mais uma iniciativa que visa contribuir para a construção de uma sociedade mais justa. Trata-se do Centro de Formação: Educação Popular, Cultura e Direitos Humanos, uma ação que nasce em parceria com diversas organizações da sociedade civil, movimentos sociais, coletivos e ativistas, atuantes na luta pela afirmação dos direitos humanos no país.
Durante o mês de novembro, as atividades do centro se voltam para a agenda da igualdade racial. Assim, marcam espaço na programação uma série de cursos, oficinas e vivências que trazem o debate das relações raciais e do combate ao racismo.
“O Centro de Formação faz parte de uma estratégia institucional não somente de resistência aos recentes retrocessos no campo dos direitos e da ordem democrática, mas de anúncio, de esperança, de encontros, de pesquisa e de experimentação de novas possibilidades formativas, que considerem a integralidade dos sujeitos e dos direitos humanos”, afirma Denise Carreira, integrante da coordenação executiva da Ação Educativa.