Diferentemente dos homens, mulheres vão para corredor da morte por ‘crimes’ sexuais

Além das execuções oficiais, mulheres são mais suscetíveis aos chamados “crimes de honra”

Por: Natália Guerra

 

Mais de 1.500 pessoas condenadas à morte foram executadas em todo o mundo no ano passado, segundo dados da Anistia Internacional. O número de mulheres nesse universo é baixo — pouco mais de 14 —, mas revela uma realidade gritante: diferente dos homens, as mulheres continuam sendo condenadas à morte (e executadas) por causa de “crimes” sexuais.

Em entrevista ao R7, o assessor de Direitos Humanos da Anistia Internacional Brasil, Maurício Santoro, disse que, embora os números sejam pequenos, o que chama a atenção é que certas condutas não causam punições aos homens, mas apenas às mulheres.

— O que as leva para o corredor da morte são crimes sexuais, […] questões ligadas ao comportamento sexual [como o adultério], mulheres que são executadas porque fizeram ou tentaram fazer um aborto.

Segundo Santoro, existem ainda muitas mulheres condenadas, sobretudo no Irã, por atuarem como “mulas do tráfico” (pessoas que transportam drogas ilícitas entre fronteiras, em alguns casos dentro do próprio corpo).

O adultério continua sendo crime em muitos países e, em casos extremos, é punido com a morte por enforcamento ou apedrejamento, como denunciou o Grupo de Trabalho da ONU sobre Discriminação das Mulheres na Lei e na Prática, na última quinta-feira (18).

— Muitas vezes, os Códigos Penais não tratam mulheres e homens de maneira igual e estabelecem castigos mais duros contra as mulheres, além de dar ao depoimento das mulheres a metade do valor do testemunho dos homens.

A Arábia Saudita representa, sozinha, um terço das execuções oficiais de mulheres. Naquele país, elas são sentenciadas à pena de morte por seu comportamento sexual e até mesmo por acusações de feitiçaria.

“Crimes de honra”

O relatório Sentenças de Morte e Execuções em 2011, da ONG de defesa dos direitos humanos Anistia Internacional, mostra que foram realizadas no ano passado 676 execuções oficias — pessoas que são condenadas à morte pelo Estado e, em seguida, executadas.

Como a China não revela a quantidade exata de executados, a Anistia Internacional estima que esse número seja de mil a cada ano, o que leva o número de execuções em 2011 para 1.676.

Se, nesse universo, o número de mulheres executadas é de ao menos 14, a Anistia Internacional chama atenção para outro dado alarmante: o elevado número de mulheres e meninas que são assassinadas por familiares ou membros da comunidade, os chamados “crimes de honra”.

Segundo o último estudo realizado sobre o assunto, feito em 2000 pela Comissão de Direitos Humanos da ONU, ao menos 5.000 mulheres e meninas são assassinadas todos os anos nessas condições.

A maior parte delas é executada pela “desonra” de ter sido estuprada ou por seu comportamento sexual. Em Estados omissos, a situação é mais grave, e o risco de impunidade, maior.

Comparado à execução oficial, que somou 1.676 no ano passado, o crime de honra contra mulheres mata três vezes mais.

Em quase 90% dos casos, as vítimas são mortas pela própria família ou a mando dos parentes. Além das mulheres, homens gays também costumam ser vítimas desse tipo de crime.

Acredita-se que o número de crimes de honra, que foi estimado em 5.000 há mais de dez anos, seja atualmente muito maior.

De acordo com Santoro, apenas no Paquistão, 900 mulheres foram assassinadas no ano passado. E estima-se que um em cada quatro homicídios na Jordânia seja um crime de honra.

— É muito difícil estimar o número de crimes de honra, justamente porque eles costumam acontecer em Estados omissos.

Em alguns países, os assassinos “não são punidos, ou recebem sentenças reduzidas, usando como justificativa a ‘defesa da honra’ da família”, aponta a Comissão de Direitos Humanos da ONU.

Segundo o mesmo relatório, os crimes de honra vêm crescendo no mundo e, ao menos em 2000, eram mais comuns em países como Bangladesh, Equador, Egito, Índia, Israel, Itália, Jordânia, Marrocos, Paquistão, Suécia, Turquia, Uganda, Reino Unido e Brasil.

Maurício Santoro explica que o Brasil figura nessa relação por causa da violência doméstica, em que, muitas vezes, o que está em jogo é o comportamento da mulher.

— A diferença do Brasil para alguns países é que temos uma legislação forte, sobretudo graças à Lei Maria da Penha. E nossa cultura mudou. É uma cultura que hoje rejeita a agressão à mulher.

Além dos assassinatos, outras formas de crime de honra são os chamados “estupros corretivos” realizados contra mulheres lésbicas, que são violentadas por homens da comunidade, sobretudo na África do Sul.

Em outros casos, meninas e mulheres são forçadas a cometer suicídio após denúncias públicas de mau comportamento. Outras são desfiguradas por ácido.

A comissão de Direitos Humanos da ONU aponta que vítimas em potencial, em vez de ganharem proteção em liberdade, são colocadas em prisões e em casas de correção — onde ficam, às vezes, presas por anos.

Papel da religião

Os crimes de honra são muitas vezes associados à questão religiosa, pois estão ligados à demanda feita pela comunidade ou pela família de que as jovens devem manter-se virgens e castas.

De acordo com estudo do Fundo de População das Nações Unidas de 2000, os crimes de honra “são mais comuns em países de maioria islâmica, embora líderes muçulmanos tenham condenado a prática e dito que ela não tem nenhuma base religiosa”.

Para Santoro, a religião acaba sendo usada como “pretexto para legitimar algo que vem de uma tradição patriarcal, machista”.

Ele cita os protestos contra o ataque à ativista paquistanesa de 14 anos Malala Yousafzai, baleada no começo do mês pelo Taleban, como um exemplo de que a religião não está referendando a agressão às mulheres.

— Estão tendo muitos protestos lá. Isso mostra que existe um campo de batalha.

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Fonte: R7 

 

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